Introdução

I. O início do caminho
No dia 28 de setembro de 1864, o salão do St. Martin’s Hall, edifício situado no coração de Londres, estava lotado. Ali encontravam-se cerca de 2 mil trabalhadoras e trabalhadores para assistir ao comício de alguns dirigentes sindicais ingleses e de um pequeno grupo de operários vindos do continente. No manifesto de convocação da assembleia, fora anunciada a presença de uma “delegação eleita pelos operários de Paris” que “apresentaria sua resposta ao discurso dos companheiros ingleses e um plano para um melhor entendimento entre os povos”1. De fato, em julho de 1863 algumas organizações operárias francesas e inglesas, reunidas em Londres para uma manifestação de solidariedade ao povo polonês – insurreto contra a ocupação de seu país pelo Império russo –, haviam proclamado os objetivos que julgavam de fundamental importância para o movimento operário. No texto preparatório do encontro, escrito pelo célebre dirigente sindical George Odger (1813-1877) e publicado no biebdomadário inglês The Bee-Hive com o título “Address of English to French Workmen” [Mensagem dos trabalhadores ingleses aos trabalhadores franceses], declaravam:

A fraternidade entre os povos é altamente necessária para a causa do trabalho, pois constatamos que sempre que tentamos melhorar nossa condição social por meio da redução das horas de trabalho, ou pelo aumento dos salários, nossos empregadores ameaçam trazer franceses, alemães, belgas e outros para realizarem nosso trabalho por salários mais baixos. E lamentamos dizer que isso tem ocorrido, embora não em razão de um desejo de nos prejudicar da parte de nossos irmãos do continente, mas pela falta de uma comunicação regular e sistemática entre as classes trabalhadoras de todos os países. Nosso objetivo é elevar os salários dos operários pior remunerados, aproximando-os o máximo possível daqueles dos melhor remunerados, e não permitir que nossos empregadores nos joguem uns contra os outros e nos empurrem, assim, para a condição mais baixa possível, adequada a sua busca avarenta pelo lucro.2

Os organizadores da assembleia não imaginavam – nem teriam podido prever – o que essa iniciativa geraria dali a pouco. O que ambicionavam era a construção de um fórum internacional de discussão, no qual pudessem examinar os principais problemas relacionados aos trabalhadores. Mas não consideravam a hipótese de fundar uma verdadeira organização, um instrumento de coordenação da iniciativa sindical e política da classe operária. Do mesmo modo, sua ideologia fora inicialmente marcada por lemas gerais de caráter ético-humanitário, tais como a fraternidade entre os povos e a paz mundial, muito mais do que pelo conflito de classes e por objetivos políticos concretos. Em razão desses limites, a assembleia do St. Martin’s Hall poderia ter sido mais uma das muitas iniciativas de caráter vagamente democrático já realizadas naqueles anos, mas que não deram qualquer resultado. Em vez disso, por meio dela constituiu-se o protótipo de todas as futuras organizações do movimento operário, um modelo que tanto reformistas quanto revolucionários tomariam, a partir de então, como ponto de referência: a Associação Internacional dos Trabalhadores3.

Em pouco tempo, ela suscitou paixões em toda a Europa, difundiu o ideal da solidariedade de classe e motivou a consciência de uma grande massa de mulheres e homens, que escolheram a luta com a meta mais radical, a de mudar o mundo. O editorial de um enviado do The Times ao terceiro congresso da organização, realizado em Bruxelas em 1868, reproduz plenamente a ambição do projeto da Internacional:

O que está contemplado [em seu projeto] é não uma simples melhoria, mas nada menos que uma regeneração, e não apenas de uma nação, mas da humanidade. Esse é certamente o objetivo mais amplo já contemplado por qualquer instituição, com exceção, talvez, da Igreja Cristã. Para ser breve, esse é o programa da Associação Internacional dos Trabalhadores.4

Graças à Internacional, o movimento operário pôde compreender mais claramente os mecanismos de funcionamento do modo de produção capitalista, adquirir maior consciência da própria força e desenvolver novas e mais avançadas formas de luta. Seu eco ultrapassou os confins da Europa, gerando a esperança de que outro mundo era possível até para os artesãos de Buenos Aires, os membros das primeiras associações operárias de Calcutá e os grupos de trabalhadores na Austrália e na Nova Zelândia.

Nas classes dominantes, ao contrário, a notícia da fundação da Internacional provocou horror. O pensamento de que também os operários viessem a exigir um papel ativo na história gerou indignação, e foram numerosos os governos que invocaram a eliminação da organização, perseguindo-a com todos os meios de que dispunham.

II. O homem certo no lugar certo
As organizações operárias que fundaram a Internacional eram muito distintas entre si. O centro motor foi o sindicalismo inglês. Seus dirigentes, quase todos reformistas, interessavam-se sobretudo por questões de caráter econômico. Lutavam pela melhoria das condições dos trabalhadores, sem, contudo, colocar o capitalismo em discussão. Assim, conceberam a Internacional como um instrumento favorável a seu objetivo, impedindo a importação da mão de obra estrangeira durante as greves.

Outro ramo significativo da organização, por muito tempo dominante na França e forte também na Bélgica e na Suíça francesa, foi o dos mutualistas. Seguidores das teorias de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), opunham-se a qualquer tipo de envolvimento político dos trabalhadores, eram contrários à greve como instrumento de luta e exprimiam posições conservadoras em relação à emancipação feminina. Defensores de um sistema cooperativo sobre uma base federalista, sustentavam ser possível modificar o capitalismo mediante acesso igualitário ao crédito. Por essas razões, constituíram a ala direita da Internacional.

Ao lado desses dois componentes, numericamente majoritários, o terceiro grupo, por ordem de importância, foi o dos comunistas, reunidos em torno da figura de Karl Marx (1818-1883) e ativos – com pequenos grupos, dotados de uma esfera de influência muito circunscrita – em algumas cidades alemãs e suíças, assim como em Londres. Anticapitalistas, os comunistas se opunham ao sistema de produção existente, reivindicando a necessidade da ação política para sua derrubada.

Nas fileiras da Internacional, à época de sua fundação, também havia componentes sem qualquer relação com a tradição socialista e inspirados por concepções vagamente democráticas, como alguns grupos de exilados dos países do Leste europeu. Entre esses, podem ser citados os seguidores de Giuseppe Mazzini (1805-1872), expoente de um pensamento interclassista, orientado principalmente às reivindicações nacionais e que concebia a Internacional como uma associação útil para a difusão de apelos de libertação dos povos oprimidos da Europa5.

A completar o quadro da organização, tornando ainda mais complexo o equilíbrio de forças, havia vários grupos de trabalhadores franceses, belgas e suíços, que aderiram à Internacional trazendo consigo as teorias mais diversas e confusas, entre as quais algumas inspiradas no utopismo. Por fim, jamais associada à Internacional, embora sempre girando em sua órbita, estava também a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, partido dirigido pelos seguidores de Ferdinand Lassalle (1825-1864), que ostentava uma nítida posição antissindical e concebia a ação política exclusivamente nos estreitos limites nacionais.

Foram esses os heterogêneos grupos fundadores da Internacional, e foi esse o variegado e complexo entrelaçamento de culturas e experiências políticas e sindicais que caracterizou seu nascimento. Construir uma base geral e saber efetuar a síntese política de uma organização tão ampla, não obstante sua forma federativa, apresentou-se, desde o início, como tarefa muito árdua. Além disso, todas essas diferentes tendências, mesmo depois de terem aderido a um programa comum, continuaram a exercitar notável influência, frequentemente centrífuga, nas seções locais em que eram majoritárias.

A tarefa política de fazer conviver todos esses ânimos na mesma organização – e, além disso, com um programa tão distante dos princípios de cada um deles –, foi indiscutivelmente obra de Marx. Seus dotes políticos lhe permitiram conciliar aquilo que parecia inconciliável e asseguraram um futuro à Internacional, que, sem o seu protagonismo, teria seguramente caído no mesmo rápido esquecimento de todas as outras inúmeras associações operárias que a precederam6. Foi Marx quem deu uma finalidade clara à Internacional, quem realizou um programa político não excludente, embora firmemente classista, como garantia de uma organização que ambicionava ser de massas e não sectária. Marx foi a alma política de seu Conselho Geral, aquele que redigiu todas as suas resoluções principais e compilou todos os relatórios preparatórios para os congressos (com exceção daquele de Lausanne, em 1867, que coincidiu com seu trabalho de revisão das provas de impressão de O capital *). Ele foi “o homem certo no lugar certo”, como escreveu o dirigente operário alemão Johann Georg Eccarius (1818-1889)7.

Todavia, diversamente do que afirmam muitas reconstruções fantasiosas, que o representam como o fundador da Internacional, Marx não estava entre os organizadores da assembleia realizada no St. Martin’s Hall. Assistiu a ela, ao contrário, como “personagem mudo”8, como relatou em carta endereçada ao amigo Friedrich Engels (1820-1895). Soube, porém, reconhecer imediatamente a potencialidade do evento e pôs-se a trabalhar para o êxito da associação. Graças ao prestígio que, embora circunscrito a certos âmbitos, acompanhava seu nome, foi nomeado entre os 34 membros do Comitê Diretor Provisório9 da Associação, no interior do qual, tendo conquistado em pouco tempo a confiança de seus membros, a ele foi dada a incumbência de redigir a Mensagem inaugural e os Estatutos provisórios da Internacional. Na redação desses documentos fundamentais, assim como naquela de muitos outros sucessivos, Marx valorizou as melhores ideias dos vários componentes da organização, ao mesmo tempo que eliminou suas inclinações corporativas e acentos sectários. Além disso, conciliou firmemente a luta econômica com a luta política e tornou irreversível a escolha de pensar e agir em escala internacional10.

Foi graças à perspicácia de Marx que a Internacional tornou-se um órgão de síntese política das tendências presentes nos diversos contextos nacionais. Ela foi capaz de unificá-las num projeto de luta comum, garantindo autonomia às seções locais, mas não total independência em relação ao centro dirigente11. As dificuldades para manter unida a organização foram extenuantes para Marx12, sobretudo quando se considera que sua concepção anticapitalista não era a posição política dominante no interior da organização. Todavia, com o passar do tempo, muitas vezes por meio de confrontos e rupturas, e graças à incessante persistência de sua atividade, o pensamento de Marx tornou-se a doutrina hegemônica13.

Apesar desse duro caminho, sua elaboração trouxe não poucos benefícios à luta política daqueles anos. O novo perfil das mobilizações operárias, a experiência revolucionária da Comuna de Paris, o desafio (para ele inédito) de manter unida uma organização política tão grande e complexa, a polêmica com as outras tendências do movimento operário, surgidas das várias questões que se apresentaram ao longo da vida da Associação, tudo isso impulsionou Marx para além dos limites da economia política, à qual ele havia se dedicado inteiramente após a derrota da Revolução de 1848 e do consequente refluxo das forças mais progressistas. Além disso, ele foi estimulado a desenvolver suas ideias e, às vezes, a revisá-las, a fim de questionar velhas certezas, colocar novas questões e, principalmente, elaborar de forma mais concreta sua crítica do capitalismo em termos de definições da sociedade comunista. A representação do papel de Marx na Internacional difundida pela ortodoxia soviética, isto é, aquela de um revolucionário que teria transposto mecanicamente ao terreno histórico uma elaboração política já consumada e precedentemente elaborada em teoria, no isolamento de um quarto de estudos, é totalmente distante da realidade14.

III. Estrutura da organização
Tanto no curso de sua existência como nas décadas sucessivas, a Internacional foi representada como uma organização vasta e financeiramente poderosa. O número de seus membros foi sempre superestimado, seja por um insuficiente conhecimento da realidade, seja pelos exageros de alguns de seus dirigentes, seja para justificar a brutal repressão nos confrontos da Internacional. O promotor público que, em junho de 1870, processou alguns dos dirigentes franceses da Internacional, declarou que a organização possuía mais de 800 mil membros na Europa15. Um ano mais tarde, após a derrota da Comuna de Paris, o jornal The Times afirmou que esse número era de 2,5 milhões. Ao passo que seu principal estudioso à época, no campo conservador, Oscar Testut (1840-?), chegou mesmo a imaginar uma multidão de 5 milhões de membros16.

Na verdade, o número de seus membros foi muito inferior. Uma estimativa, ainda que apenas aproximada, da consistência efetiva da Internacional foi sempre uma questão complexa17, tanto para seus dirigentes como para os estudiosos. Com base nas pesquisas realizadas, é possível lançar a hipótese de que, durante seu período de maior afirmação (ou seja, no biênio 1871-1872), o número máximo de adesões, numa base anual, superou 150 mil. Mais detalhadamente: 50 mil na Inglaterra, mais de 30 mil na França e o mesmo número na Bélgica, 6 mil na Suíça, cerca de 30 mil na Espanha, cerca de 25 mil na Itália e mais de 10 mil na Alemanha (cuja imensa maioria, porém, só pode ser considerada membro por ser militante do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores da Alemanha [Sozialdemokratische Arbeiterpartei Deutschland]), mais alguns milhares dispersos por outros países europeus e 4 mil nos Estados Unidos.

Dada a época e, portanto, a ausência quase absoluta – com exceção dos sindicatos ingleses e da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães – de organizações efetivas da classe trabalhadora, essas cifras devem ser avaliadas como extremamente relevantes. É preciso também ter presente que, durante sua existência, a Internacional só era reconhecida como organização legal na Inglaterra, na Suíça, na Bélgica e nos Estados Unidos18. Em outros países onde teve uma presença consistente – é o caso de França, Espanha e Itália –, ela permaneceu ilegal por diversos anos, e seus militantes sofreram perseguições. Aderir à Internacional era considerado ilegal nos 39 Estados da Confederação Germânica, e no Império Austro-Húngaro seus pouquíssimos membros foram forçados a agir na clandestinidade. Não obstante, sua capacidade agregadora foi notável. Depois de apenas dois anos de vida, havia conseguido federar centenas de sociedades operárias. A partir do fim de 1868, graças à propaganda promovida pelos seguidores de Mikhail Bakunin (1814-1876), a ela se agregaram sociedades na Espanha e, depois da Comuna de Paris, surgiram seções na Itália, Holanda, Dinamarca e Portugal. O desenvolvimento da Internacional foi, sem dúvida, irregular; por múltiplas e diversas razões, enquanto crescia em alguns países, em outros mantinha-se estável ou regredia sob os golpes da repressão. Todavia, entre aqueles que aderiram à Internacional, mesmo que por um breve período, sobreviveu um forte sentido de pertencimento comum. Com efeito, também quando o ciclo das lutas das quais os trabalhadores haviam participado se encerrou e a adversidade e os rigores de suas vidas os forçaram a distanciar-se da organização, eles conservaram intocados os laços de solidariedade de classe e responderam da melhor forma que podiam ao chamado de um comício, às palavras de um manifesto, ao tremular da bandeira vermelha da luta, em nome e em memória da Internacional, a organização que os havia apoiado no momento de necessidade19.

Em relação à totalidade dos trabalhadores da época, os membros da Internacional foram, porém, uma parcela reduzida da classe operária. Em Paris, por exemplo, o número de membros jamais ultrapassou 10 mil, e em grandes cidades como Roma, Viena e Berlim seu número foi ainda mais exíguo. A qualificação dos operários que aderiram à Internacional constitui outra prova evidente de seus limites: ela deveria ser a organização dos operários assalariados, mas apenas um número muito exíguo destes tornou-se membro. O principal influxo veio do setor da construção, na Inglaterra, da indústria têxtil, na Bélgica, e de vários tipos de artesãos, na França e Suíça.

Na Inglaterra, com a única exceção dos operários siderúrgicos, a força da Internacional entre os proletários da indústria foi sempre limitadíssima20. Estes jamais se tornaram a maioria da Associação, mesmo após a expansão da organização nos países da Europa meridional. Outro grande limite da Internacional foi o de não ter conseguido abarcar o mundo do trabalho não qualificado21. Esforços nessa direção foram realizados desde a preparação para o primeiro congresso da organização, como demonstra a clara exortação às organizações dos trabalhadores contida no documento “Instructions for the Delegates of the Provisional General Council. The Different Questions” [Instruções para os delegados do Conselho Geral provisório. As questões singulares]:

Para além de seus propósitos originais, eles [os sindicatos] devem agora aprender a agir deliberadamente como centros organizadores da classe operária no interesse mais amplo de sua emancipação total. Devem auxiliar todo movimento social e político que aponte nessa direção. Considerando a si mesmos e agindo como os paladinos e representantes da classe operária inteira, não podem deixar de alistar em suas fileiras os párias da sociedade [the non-society men]. Devem defender cuidadosamente os interesses das atividades de pior remuneração, tais como os trabalhadores agrícolas, tornados impotentes por circunstâncias excepcionais. Devem convencer o mundo inteiro de que seus esforços, longe de serem estreitos e egoístas, visam à emancipação dos milhões de oprimidos.22

Também na Inglaterra, no entanto, com exceção dos escavadores, os trabalhadores não especializados não se filiaram à Internacional. Nesse país, o maior número de adesões veio do setor têxtil, dos alfaiates, dos sapateiros e dos carpinteiros, ou seja, dos trabalhadores que, à época, eram os mais organizados e dotados de maior consciência de classe. Por fim, a Internacional permaneceu sempre uma organização formada exclusivamente por trabalhadores ocupados, e os desempregados jamais fizeram parte dela. Análoga foi a proveniência de seus dirigentes, que, salvo algumas exceções, eram principalmente artesãos e intelectuais.

Dispor de dados corretos sobre os meios financeiros da Internacional é igualmente difícil. A despeito das fantasiosas descrições sobre a pretensa abundância de seus recursos23, a organização teve uma situação financeira cronicamente instável. A taxa de inscrição individual era de um xelim, enquanto cada um dos sindicatos devia contribuir, como sujeito coletivo, com três pence por membro. Em muitos países, no entanto, os filiados individuais foram sempre poucos e, na Inglaterra, as contribuições devidas pelos sindicados foram, constantemente, tão incertas e limitadas que o Conselho Geral acabou por liberar estes últimos para contribuir com o que podiam. As somas recolhidas jamais superaram poucas dezenas de libras esterlinas anuais24, que mal bastavam para pagar o salário de quatro xelins por semana do secretário-geral e o aluguel da sede, por cuja inadimplência a Internacional era frequentemente ameaçada de despejo.

Num dos mais importantes documentos da vida da organização, Marx resumiu assim suas funções: “A Associação Internacional dos Trabalhadores tem como tarefa combinar e generalizar os movimentos espontâneos das classes trabalhadoras, mas não ditar ou impor um sistema doutrinário, seja ele qual for”25. Não obstante a notável autonomia concedida às federações e seções locais singulares, a Internacional conservou sempre um lugar de direção política. Seu Conselho Geral constituía, de fato, o órgão em que se efetuava a síntese entre as várias tendências políticas e do qual emanavam as linhas diretivas da organização. De outubro de 1864 a agosto de 1872, o Conselho Geral se reuniu, com grande regularidade, por 385 vezes. No curso de tantas noites de terça-feira, durante as quais, numa sala repleta de fumaça de charutos e cachimbos, realizaram-se as reuniões do Conselho Geral, seus membros debateram inúmeras problemáticas, entre as quais: as condições de trabalho dos operários, os efeitos da introdução da maquinaria, as greves que deviam ser apoiadas, o papel e a importância dos sindicatos, a questão irlandesa, diversos problemas de política externa e, naturalmente, a questão de como construir a sociedade do futuro. O Conselho Geral foi também o organismo que se ocupou da elaboração dos documentos da Internacional. Circulares, cartas e resoluções foram os meios correntemente empregados, enquanto manifestos, mensagens e apelos foram os documentos excepcionais, utilizados em circunstâncias particulares26.

IV. A formação da Internacional
A falta de sincronia entre os principais eventos organizacionais e políticos da Internacional dificulta a reconstrução cronológica de sua história. Do ponto de vista organizacional, as fases mais importantes atravessadas pela Associação foram: I) seu nascimento (1864-1866), ou seja, a fase desde sua fundação até o primeiro congresso (Genebra, 1866); II) sua expansão (1866-1870); III) o impulso revolucionário e a repressão que se seguiu à Comuna de Paris (1871-1872); e IV) a cisão e a crise (1872-1877). Já do ponto de vista do confronto político, as principais fases da Internacional foram: I) o debate inicial entre os vários componentes e a construção de seus fundamentos teóricos (1864-1865); II) o conflito pela hegemonia entre coletivistas e mutualistas (1866-1869); e III) o confronto entre centralistas e autonomistas (1870-1877). Nos parágrafos que seguem, percorreremos tanto os eventos organizacionais como os políticos.

A Inglaterra foi o primeiro país em que foram apresentados pedidos de adesão à Internacional. Em fevereiro de 1865, a ela se filiaram 4 mil membros da Sociedade Sindical dos Pedreiros (Operative Society of Bricklayers). Pouco depois, seguiram-se grupos de trabalhadores da construção civil e sapateiros. No curso de seu primeiro ano de vida, o Conselho Geral realizou uma intensa atividade de divulgação dos princípios da Associação. Isso ajudou a ampliar seu horizonte para além de questões puramente econômicas, como demonstra a presença da Internacional entre as organizações que participaram da Reform League, o movimento pela reforma eleitoral surgido em fevereiro de 1865.

Na França, a Internacional começou a tomar forma em janeiro de 1865, data em que foi fundada, em Paris, sua primeira seção. Outros centros principais surgiram um pouco mais tarde, em Lyon e Caen. Sua força foi, porém, muito limitada. Na capital francesa, sua base não conseguiu se expandir e, durante esse período inicial, muitas outras organizações operárias tiveram uma consistência numérica superior. A influência ideológica exercida pela Associação foi débil, e as relações de força, limitadas; juntamente com a escassa determinação política, impediram a fundação de uma federação nacional. Apesar desses limites, os franceses, em grande parte seguidores das teorias mutualistas de Proudhon, consolidaram-se como o segundo grupo mais consistente da Internacional durante a primeira conferência da organização, realizada entre 25 e 29 de setembro daquele ano em Londres. Esta contou com a presença de trinta delegados provenientes da Inglaterra, da França, da Suíça e da Bélgica, além de alguns outros representantes da Alemanha, da Polônia e da Itália. Cada um deles apresentou informes, sobretudo de caráter organizacional, sobre os primeiros movimentos da Internacional em seus países. Para essa sede foi convocado, para o ano seguinte, o primeiro Congresso Geral.

No período entre essas duas reuniões, a Internacional continuou a expandir-se na Europa. Ela começou a construir seus primeiros núcleos importantes na Bélgica e na Suíça francesa. As chamadas leis prussianas de associação (Kombinationsgesetze), que impediam os grupos políticos alemães de estabelecer relações estruturais com organizações de outros países, não permitiram que fossem abertas seções da Internacional naquela que, à época, era a Confederação Alemã. A Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (Allgemeine Deutsche Arbeiterverein) – primeiro partido operário da história, fundado em 1863, com cerca de 5 mil membros, e liderado pelo discípulo de Lassalle, Johann Baptist von Schweitzer (1833-1875) – seguiu uma linha de ambíguo diálogo com Otto von Bismarck (1815-1898) e se desinteressou da Internacional nos primeiros anos de sua existência. Essa mesma postura foi compartilhada por Wilhelm Liebknecht (1826-1900), apesar de sua grande proximidade política com Marx. Johann Philipp Becker (1809-1886), um dos principais líderes da Internacional na Suíça, tentou contornar essas dificuldades por meio do Grupo de Seções de Língua Alemã, baseado em Genebra e, por um bom tempo, foi o único organizador dos primeiros núcleos internacionalistas na Confederação Alemã.

A obtenção desses resultados foi altamente favorecida pela difusão de jornais que ou simpatizavam com as ideias da Internacional ou eram verdadeiros órgãos do Conselho Geral. Ambas as categorias contribuíram para o desenvolvimento da consciência de classe e para a rápida circulação de notícias relativas às atividades da Internacional. Dentre os periódicos surgidos nos primeiros anos de sua existência, menção especial deve ser feita ao biebdomadário The Bee-Hive e ao The Miner and Workman’s Advocate (que mais tarde se chamaria The Workman’s Advocate e, por fim, The Commonwealth), ambos publicados em Londres; ao hebdomadário de língua francesa Le Courrier International, também publicado em Londres; ao La Tribune du Peuple, órgão oficial da Internacional na Bélgica a partir de agosto de 1865; ao Journal de l’Association Internationale des Travailleurs, órgão da seção na Suíça francesa; ao Le Courrier Français, um hebdomadário proudhoniano publicado em Paris; e ao Der Vorbote, em Genebra, dirigido pelo alemão Becker27.

A atividade do Conselho Geral em Londres foi decisiva para o reforço da Internacional. Na primavera de 1866, com seu apoio aos grevistas dos Alfaiates Unificados de Londres (London Amalgamated Tailors), a organização contribuiu, pela primeira vez ativamente, para uma luta operária. Em seguida à vitória desses trabalhadores, cinco pequenas sociedades de alfaiates, com cerca de quinhentos trabalhadores cada, decidiram filiar-se à Internacional. O resultado positivo de outras disputas atraiu diversos sindicatos menores, tanto que, quando de seu primeiro congresso, as organizações sindicais filiadas eram já dezessete, para um total de mais de 25 mil membros. A Internacional foi a primeira associação a ser bem-sucedida na difícil tarefa de alistar organizações sindicais em suas fileiras28.

Entre 3 e 8 de setembro de 1866, a cidade de Genebra sediou o primeiro congresso da Internacional. Fizeram-se presentes sessenta delegados, provenientes da Inglaterra, da França, da Alemanha e da Suíça. Naquele momento, a Associação pôde fazer um balanço muito favorável, tendo acolhido sob sua bandeira, apenas dois anos depois de sua fundação, mais de uma centena de sindicatos e organizações políticas. Os participantes do congresso se dividiram substancialmente em dois blocos. O primeiro, composto pelos delegados ingleses, pelos poucos alemães presentes e pela maioria dos suíços, seguiu as diretivas do Comitê Central redigidas por Marx, ausente em Genebra. O segundo, do qual faziam parte franceses e uma parte dos suíços de língua francesa, era constituído de mutualistas. Àquela época, a Internacional era uma organização em que prevaleciam as posições moderadas. Os mutualistas, liderados pelo parisiense Henri-Louis Tolain (1828-1897), prefiguravam uma sociedade em que o trabalhador seria, ao mesmo tempo, produtor, capitalista e consumidor. Eles viam na concessão de crédito gratuito uma medida determinante para transformar a sociedade; opunham-se ao trabalho feminino, condenado do ponto de vista moral e social, e rejeitavam qualquer interferência do Estado em matéria de relações de trabalho (inclusive a redução legal da jornada de trabalho para oito horas), porquanto estavam convencidos de que isso ameaçaria as relações privadas entre os trabalhadores e os patrões e reforçaria o sistema vigente.

Baseando-se nas resoluções preparadas por Marx, os dirigentes do Comitê Central presentes no congresso conseguiram suplantar o grupo dos mutualistas, numericamente fortes, e obtiveram resultados favoráveis à intervenção do Estado. Sobre esta última questão, na seção das “Instructions for Delegates of the Provisional General Council. The different questions”, Marx havia declarado que:
Isso só pode ser realizado convertendo-se a razão social em força social, o que, sob dadas circunstâncias, realiza-se unicamente quando forçado pelo poder estatal. Ao impor essas leis, a classe trabalhadora não fortalece o poder governamental. Ao contrário, ela transforma esse poder, que hoje é usado contra ela, em seu próprio benefício. Ela realiza por um ato geral aquilo que uma multidão de indivíduos isolados não conseguiriam realizar.29

Essas reivindicações reformistas, portanto, longe de tornarem mais forte a sociedade burguesa, como acreditavam erroneamente Proudhon e seus seguidores, representavam um ponto de partida indispensável para a emancipação da classe trabalhadora. Nas instruções preparadas por Marx para o Congresso de Genebra, por fim, é reconhecida a função fundamental do sindicato, contra a qual se haviam manifestado não só os mutualistas, mas também alguns seguidores de Robert Owen (1771-1858), na Inglaterra, e, fora da Internacional, os lassallianos alemães30:

Essa atividade dos sindicatos é não só legítima, mas também necessária. Ela não pode ser dispensada enquanto durar o atual sistema de produção. Pelo contrário, tem de ser generalizada pela formação e a articulação de sindicatos em todos os países. Por outro lado, sem que eles mesmos percebessem, os sindicatos formaram centros de organização da classe trabalhadora, tal como as municipalidades e comunas medievais o fizeram para a classe média. Se os sindicatos são necessários para as guerras de guerrilha entre o capital e o trabalho, eles são ainda mais importantes como agências organizadas para a superação do próprio sistema do trabalho assalariado e do domínio do capital.

No mesmo documento, Marx não poupou de sua crítica os sindicatos existentes. Pois,

concentrados com demasiada exclusividade nas lutas locais e imediatas contra o capital, os sindicatos ainda não entenderam plenamente seu poder de ação contra o próprio sistema de escravidão assalariada. Por essa razão, mantiveram-se demasiadamente distantes dos movimentos sociais e políticos gerais.31

A mesma coisa ele afirmara numa mensagem ao Conselho Geral em 20 e 27 de julho, que seria postumamente publicada como artigo, sob o título “Value, Price and Profit”*:

as classes trabalhadoras não devem exagerar para si mesmas o resultado final dessas lutas diárias. Não devem esquecer de que estão lutando contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que estão retardando o movimento descendente, mas não alterando sua direção; que estão aplicando paliativos, não curando a doença. Não devem, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. Elas devem entender que o sistema atual, mesmo com todas as misérias que lhes impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução econômica da sociedade. Em vez do lema conservador: “Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!”, devem inscrever em sua bandeira a divisa revolucionária: “Abolição do sistema de trabalho assalariado!”.32

V. Greves e expansão
A partir do fim de 1866, as greves se intensificaram em muitos países europeus. Organizadas por grandes massas de trabalhadores, elas contribuíram para a tomada de consciência das condições em que essas massas eram forçadas a viver e foram o coração pulsante de um novo e importante período de lutas.

Apesar da tese defendida por alguns governos da época, que atribuía a responsabilidade das greves à propaganda da Internacional, a maior parte dos operários que delas participavam nem sequer sabia de sua existência. Os protestos foram motivados pelas dramáticas condições de trabalho e de vida a que estavam submetidos. Essas mobilizações representaram o primeiro momento de confluência e de coordenação com a Internacional, que os apoiou com proclamações e apelos de solidariedade, organizou a coleta de dinheiro em favor dos grevistas e promoveu encontros para bloquear as tentativas dos patrões de enfraquecer a resistência dos trabalhadores.

Foi justamente graças ao papel concreto desempenhado nessa fase pela Internacional que os trabalhadores começaram a reconhecê-la como lugar de defesa de seus interesses comuns e a solicitar sua filiação33. A primeira grande luta vencida com seu apoio foi aquela dos bronzistas de Paris, cuja greve durou de fevereiro a março de 1867. Resultado vitorioso também obtiveram as greves dos trabalhadores de ferro de Marchienne, em fevereiro de 1867; dos operários da bacia mineral de Provence, de abril de 1867 a fevereiro de 1868; dos mineiros de carvão de Charleroi e dos pedreiros de Genebra, ambas na primavera de 1868. Em cada um desses acontecimentos, o cenário foi idêntico: uma coleta de dinheiro em apoio aos grevistas da parte dos trabalhadores de outros países, que também se comprometiam a não aceitar qualquer trabalho como substitutos dos grevistas, sob pena de se degradarem à condição de mercenários. Foram esses os fatores que forçaram os patrões a buscar um compromisso e a aceitar muitas das reivindicações dos operários. Logo após o sucesso dessas lutas, centenas de novos trabalhadores aderiram à Internacional nas cidades onde haviam ocorrido as greves. Como afirmou o membro do Conselho Geral Eugène Dupont (1831-1881): “não é a Associação Internacional dos Trabalhadores que conduz [os operários] à greve, mas [é] a greve que conduz os operários aos braços da Associação Internacional dos Trabalhadores”34.

Assim, apesar das dificuldades derivadas da heterogeneidade dos países, línguas e culturas políticas, a Internacional conseguiu reunir e coordenar muitas organizações e lutas nascidas espontaneamente. Seu maior mérito foi o de ter sabido indicar a absoluta necessidade da solidariedade de classe e da cooperação internacional, superando irreversivelmente o caráter parcial dos objetivos e das estratégias do movimento operário.

A partir de 1867, reforçada pelo sucesso na obtenção desses resultados, pelo aumento no número de militantes e por uma eficiente estrutura organizacional, a Internacional avançou em todo o continente. Esse ano foi marcado por seu notável progresso, sobretudo na França. A greve dos bronzistas parisienses teve um efeito avassalador, semelhante àquele obtido na Inglaterra pelos alfaiates de Londres. Em Paris, o número de associados chegou a mil e em Lyon e Viena, superou os quinhentos. Além disso, foram inauguradas sete novas seções, uma das quais na outra margem do Mediterrâneo, na Argélia, mas que contava apenas com operários franceses. As adesões se multiplicaram também na Bélgica, em resultado das greves, e na Suíça, onde ligas operárias, cooperativas e sociedades políticas aderiram com entusiasmo à Internacional. Neste último país, a organização possuía 25 seções apenas na cidade de Genebra, inclusive uma de língua alemã, que também servia de base para a propaganda dos operários da Confederação Alemã.

Mas a Inglaterra continuou a ser o país onde a Internacional conquistara maior presença. No decurso de 1867, a filiação de outra dezena de organizações elevou o número de seus membros para 50 mil – cifra impressionante, considerando-se que foi alcançada em apenas dois anos e que, à época, o total de trabalhadores ingleses sindicalizados era cerca de 800 mil35. Essa cifra corresponde ao mais elevado número de inscritos já atingido pela Internacional – em termos absolutos, ainda que não em proporção à totalidade da população – num único país. Todavia, se na Inglaterra o período de 1864-1867 caracterizara-se pela obtenção de grandes progressos, os anos sucessivos foram marcados por certa estagnação. A essa inversão de tendência contribuíram diversos fatores. Antes de mais nada, como dissemos, a Internacional não conseguiu atrair dois segmentos fundamentais do mundo do trabalho: os operários da indústria e os trabalhadores não especializados. Entre estes últimos, a única exceção foi representada pelos Escavadores Unidos (United Excavators), que aderiram à organização logo após a greve de agosto de 1866. Exígua foi também a presença da Internacional entre os operários das grandes fábricas do norte e das midlands da Inglaterra (com raras exceções, como a dos Trabalhadores da Fundição [Malleable Ironworkers]). Sua voz não conseguiu atingir os trabalhadores do carvão, nem os do algodão, tampouco os operários da indústria mecânica, que, graças a suas competências técnicas, jamais se sentiram ameaçados pela concorrência estrangeira. Aqueles que aderiram em maior medida à Internacional foram os trabalhadores da construção. A Sociedade Unificada dos Carpinteiros e dos Marceneiros (Amalgamated Society of Carpenters and Joiners), representada no Conselho Geral por seu secretário, Robert Applegarth (1834-1924), equivalia, com seus 9 mil membros, a quase um quinto dos filiados. A seguir vinham os alfaiates, sapateiros, marceneiros, encadernadores, tecelões, seleiros e charuteiros – ou seja, todas aquelas profissões que se mantiveram inalteradas pela Revolução Industrial. Em janeiro de 1867, o Conselho Sindical de Londres (London Trades Council), organização que unia todos os sindicados londrinos, decidiu cooperar com a Internacional, mas votou contra a adesão à organização. Esse episódio fez com que o Conselho Geral tomasse consciência da impossibilidade de expandir-se para além de sua esfera de influência.

A essa fase de freagem no avanço da Internacional na Inglaterra contribuiu, em grau ainda maior, o processo de institucionalização do movimento operário. O Reform Act, que resultou da batalha travada pela Reform League, estendeu o direito de voto a mais de 1 milhão de trabalhadores ingleses. A sucessiva legalização das organizações sindicais, que pôs fim ao risco de perseguições e repressões, permitiu que o Quarto Estado se tornasse presença real na sociedade. Desse momento em diante, portanto, os pragmáticos governantes do país privilegiaram o caminho das reformas do sistema burguês. Os trabalhadores ingleses, diferentemente dos franceses, começaram a se sentir parte integrante da sociedade e colocaram as esperanças de um futuro melhor não mais no conflito social, mas na mudança pacífica36. Nos outros países europeus, a situação foi completamente distinta. Na Confederação Alemã, a contratação coletiva era quase inexistente. Na Bélgica, as greves eram reprimidas pelo governo, quase como se fossem atos de guerra, enquanto na Suíça ainda eram uma anomalia mal tolerada pela ordem constituída. Na França, enfim, a greve foi declarada legal em 1864, mas as primeiras organizações sindicais ainda operavam sob severas restrições.

Foi esse o cenário que precedeu ao congresso de 1867, no qual a Internacional se reuniu com nova força, resultante de uma expansão difusa e constante. Uma prova disso está no interesse demonstrado por diversos periódicos burgueses, entre eles o The Times, que enviaram seus correspondentes para acompanhar os trabalhos. Novamente uma cidade suíça, dessa vez Lausanne, de 2 a 8 de setembro, serviu de sede ao evento, recebendo os 64 delegados37 provenientes de seis países (que agora incluíam um representante da Bélgica e um da Itália). Entre eles, houve uma consistente presença dos mutualistas, que impuseram à agenda do congresso temas tipicamente proudhonianos, tais como a discussão sobre o movimento cooperativo e sobre o uso alternativo do crédito. A ausência de Marx nesse congresso38 e no Conselho Geral durante as semanas em que foram redigidos os documentos preparatórios, devida a sua dedicação à revisão das últimas provas de impressão de O capital, repercutiram negativamente nos participantes, cujos trabalhos permaneceram circunscritos aos relatos dos progressos obtidos pela organização nos vários países e aos debates sobre os temas preferidos pelos mutualistas.

Entre as outras questões discutidas, estava aquela relativa à guerra e ao militarismo, solicitada pela concomitante fundação da Liga pela Paz e Liberdade. No curso dos debates, o delegado de Bruxelas, César de Paepe (1841-1890), um dos militantes mais ativos e brilhantes no plano teórico da Internacional, formulou pela primeira vez a ideia – que mais tarde se tornaria a posição clássica do movimento operário – segundo a qual as guerras são inevitáveis num regime de produção capitalista:

Se tivesse de expressar meus sentimentos ao Congresso [da Paz] de Genebra, eu diria: queremos a paz tanto quanto vocês, mas sabemos que enquanto existir o que se chama princípio de nacionalidade ou o patriotismo, haverá a guerra; enquanto houver classes distintas, haverá a guerra. A guerra não é apenas fruto da ambição de um monarca; […] a verdadeira causa da guerra são os interesses de alguns capitalistas; a guerra é o resultado da falta de equilíbrio no mundo econômico e no mundo político.39

Finalmente, houve uma discussão sobre a emancipação das mulheres40, e o congresso votou a favor de um relatório declarando que “os esforços das nações devem visar à propriedade estatal dos meios de transporte e de circulação”41. Essa foi a primeira declaração coletivista aprovada num congresso da Internacional. Todavia, a oposição dos mutualistas à socialização da propriedade obteve a maioria dos votos, e uma discussão mais aprofundada sobre o tema foi adiada até o congresso seguinte.

VI. A derrota dos mutualistas
Na Internacional, desde o tempo de seu nascimento, as ideias de Proudhon haviam sido hegemônicas na França e em outras regiões de língua francesa, como a Suíça romanda, a Valônia e a cidade de Bruxelas. Seus discípulos, particularmente Tolain e Ernest Édouard Fribourg, conseguiram deixar uma marca na reunião de fundação, em 1864, na Conferência de Londres de 1865, e nos congressos de Genebra e Lausanne.

Por quatro anos, os mutualistas eram a ala mais moderada da Internacional. Os sindicatos ingleses, que constituíam a maioria da organização, não compartilhavam do anticapitalismo de Marx, mas também não tinham sobre as políticas da organização a mesma influência negativa exercida pelos seguidores de Proudhon. A partir das concepções do anarquista francês, os mutualistas defendiam que a emancipação econômica dos trabalhadores seria alcançada por meio da fundação de cooperativas de produção, financiadas por um banco popular central. Firmemente contrários à intervenção do Estado em qualquer campo, opunham-se à socialização da terra e dos meios de produção e eram contrários à prática de greves. Em 1868, por exemplo, ainda havia muitas seções da Internacional de tendência mutualista, que atribuíam um caráter negativo e antieconômico a esse método de luta. O “Relatório da seção de Liège sobre as greves” é emblemático a esse respeito: “A greve é uma luta. Portanto, ela aumenta os fermentos de ódios lançados entre o povo e a burguesia e separa cada vez mais duas classes que, em vez disso, deveriam fundir-se e se unir uma com a outra”42. A distância entre esse ponto de vista e as teses do Conselho Geral não poderia ser mais profunda.

Marx desempenhou, sem dúvida alguma, um papel central no curso da longa luta para reduzir a influência de Proudhon no interior da Internacional. A ideias do primeiro foram de fundamental importância para o amadurecimento teórico dos dirigentes da organização, e foi notável sua capacidade política de afirmá-las, vencendo todos os principais confrontos internos. Com respeito à cooperação, por exemplo, ele já havia declarado, em 1866, nas “Instruções para os delegados do Conselho Central provisório”:

Para converter a produção social num sistema amplo e harmonioso de trabalho livre e cooperativo são necessárias mudanças sociais gerais, mudanças das condições gerais da sociedade, que jamais podem ser realizadas a não ser pela transferência das forças organizadas da sociedade, isto é, do poder estatal, dos capitalistas e proprietários fundiários aos próprios produtores.

Recomendando aos trabalhadores, além disso, “que se empenhem na produção cooperativa, em vez de em lojas cooperativas. Estas últimas atingem apenas a superfície do atual sistema econômico, ao passo que a primeira ataca seus alicerces”43. Em grau ainda maior que Marx, porém, os que permaneceram distante da doutrina proudhoniana na Internacional foram os próprios operários. A proliferação das greves convenceu especialmente os mutualistas de quão equivocadas eram suas concepções, e as lutas proletárias lhes indicaram que a greve era a resposta imediata e necessária não só para melhorar as condições existentes, mas também para reforçar a consciência de classe indispensável para construir a sociedade do futuro. Foram mulheres e homens de carne e osso que interromperam a produção capitalista para reivindicar seus direitos e justiça social, alterando assim o equilíbrio de forças na Internacional e, mais importante ainda, na sociedade como um todo. Foram os bronzistas de Paris, os tecelões de Rouen e de Lyon, os mineiros de carvão de Saint-Étienne, quem, com uma força superior a qualquer discussão teórica, convenceram os líderes franceses da Internacional da necessidade de socializar o solo e a indústria. Coube, em suma, ao movimento operário demonstrar, desmentindo Proudhon, que era impossível separar a questão econômico-social da questão política44.

O Congresso de Bruxelas, realizado entre 6 e 13 de setembro de 1868, na presença de 99 delegados provenientes da França, da Inglaterra, da Suíça, da Alemanha, da Espanha (um único delegado) e da Bélgica (com 55 representantes)45, consolidou o redimensionamento dos mutualistas. Em seu apogeu, houve o pronunciamento dos delegados favoráveis à proposta, apresentada por César de Paepe, de socialização dos meios de produção. A resolução votada – entre aquelas que tiveram o maior relevo em toda a vida da Internacional – representou um decisivo passo adiante no percurso das definições das bases econômicas do socialismo, questão que agora era tratada não mais somente nos escritos dos intelectuais singulares, mas no programa de uma organização transnacional. No que tangia às mineiras e aos transportes, o congresso declarou:

(a) Que, numa situação normal de sociedade, as pedreiras, as minas de carvão e outras minas, assim como as ferrovias, devem pertencer à comunidade representada pelo Estado, um Estado submetido ele mesmo às leis da justiça.
(b) Que as pedreiras, minas de carvão e outras minas, além das ferrovias, sejam concedidas pelo Estado, não a companhias de capitalistas, como ocorre no presente, mas a companhias de trabalhadores vinculados por contrato, a fim de garantir à sociedade a operação racional e científica das ferrovias etc. a um preço o mais próximo possível da despesa do trabalhador. O mesmo contrato deve reservar ao Estado o direito de verificar a contabilidade das companhias, de modo a prevenir a possibilidade de qualquer reconstituição de monopólios. Um segundo contrato deve garantir o direito mútuo de cada membro das companhias em relação a seus colegas trabalhadores.

Em relação à propriedade fundiária, foi resolvido que:

o desenvolvimento econômico da sociedade moderna criará a necessidade social de converter a terra arável em propriedade comum da sociedade, fazendo com que o Estado conceda o solo a companhias agrícolas sob condições análogas àquelas expostas em relação a minas e ferrovias.

E considerações similares foram aplicadas aos canais, estradas e telégrafos:

Considerando que as estradas e outros meios de comunicação requerem uma direção social comum, o congresso acredita que devem permanecer como propriedade comum da sociedade.

Finalmente, considerações interessantes foram feitas com relação ao meio ambiente:

Considerando que o abandono das florestas a indivíduos privados causa a destruição das matas necessárias à conservação das fontes e, evidentemente, das boas qualidades do solo, assim como da saúde e da vida da população, o congresso acredita que as florestas devem permanecer como propriedade da sociedade.46

Em Bruxelas, portanto, a Internacional fez seu primeiro pronunciamento explícito sobre a necessidade da socialização dos meios de produção mediante a utilização do poder público47. Foi uma importante vitória do Conselho Geral, e a primeira manifestação dos princípios socialistas no programa político de uma vasta organização do movimento operário.

Além disso, foi novamente discutida a questão da guerra. Uma moção apresentada por Becker – e mais tarde retomada por Marx na elaboração para publicação das resoluções do congresso – dizia:

os trabalhadores são os únicos que têm um interesse evidente e lógico na abolição definitiva de qualquer guerra, tanto econômica como política, tanto individual como nacional, porque são eles, no fim das contas, que devem sempre pagar com seu sangue e seu trabalho o acerto de contas entre os beligerantes, não importando se estão no lado dos vencedores ou no dos vencidos.48

Os operários, portanto, deveriam considerar toda guerra “como uma guerra civil”49. Contra esta última, César de Paepe sugeriu também a utilização da greve geral50, uma proposta que Marx desprezou como “tolice”51, mas que, ao contrário, tendia ao desenvolvimento de uma consciência de classe capaz de ir além das batalhas meramente econômicas.

Se o Congresso de Bruxelas marcou o momento a partir do qual teve início a viagem coletivista da Internacional, o do ano seguinte, realizado entre 5 e 12 de setembro, na Basileia, consumou esse processo, erradicando o proudhonismo até mesmo de sua terra natal, a França. Dele participaram 78 delegados, provenientes não só da França, da Suíça, da Alemanha, da Inglaterra e da Bélgica, mas, numa demonstração da expansão da organização, também da Espanha, da Itália e da Áustria, além de um representante do Sindicato Nacional do Trabalho dos Estados Unidos. A presença deste último e a de Wilhelm Liebknecht, representante da segunda força política organizada da classe operária, o Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores da Alemanha, fundado havia poucas semanas em Eisenach, contribuiu para tornar o congresso mais solene e carregá-lo de esperanças. Os explorados viram estender-se concretamente os confins de sua associação, condição essencial para desafiarem o domínio do capital, e as transcrições dos debates, assim como as reconstruções daquelas jornadas, transmitem o entusiasmo dos trabalhadores reunidos em Lausanne.

As resoluções sobre a propriedade fundiária, aprovadas em Bruxelas no ano anterior, foram confirmadas numa nova votação, aprovada por 54 delegados, com apenas 4 contrários e 13 abstenções. O novo texto, no qual é declarado “que a sociedade tem o direito de abolir a propriedade individual do solo e de dá-lo à comunidade”52, foi acolhido também pelos delegados franceses. Onze deles votaram a favor – entre eles, Eugène Varlin (1839-1871), que, em seguida, seria uma figura de primeiro plano da Comuna de Paris –, dez se abstiveram e quatro, entre os quais Tolain, votaram contra. Depois de Basileia, a Internacional na França deixou de ser mutualista.

O Congresso da Basileia também foi interessante por outro motivo: a participação do delegado Mikhail Bakunin. Não tendo conseguido conquistar a direção da Liga da Paz, em setembro de 1868 ele havia fundado, em Genebra, a Aliança da Democracia Socialista, uma organização que, em dezembro, apresentou um pedido de adesão à Internacional – inicialmente rejeitado pelo Conselho Geral. A Internacional não podia aceitar, em seu interior, organizações que continuassem afiliadas a uma estrutura transnacional paralela; além disso, um dos objetivos do programa da Aliança da Democracia Socialista – “a igualdade das classes53” – era radicalmente distinto de um dos pilares centrais da Internacional: a abolição das classes. Pouco depois, no entanto, a Aliança da Democracia Socialista modificou a parte de seu programa criticada pelo Conselho Geral e aceitou reduzir a rede de suas seções – muitas das quais, na realidade, existiam apenas na imaginação de Bakunin54. Assim, em 28 de julho de 1869, a seção de Genebra, composta por 104 membros, foi admitida na Internacional55. O célebre revolucionário russo conquistou rapidamente notável influência em várias seções suíças, espanholas e francesas (e, depois da Comuna de Paris, italianas), e já na Basileia, graças a sua personalidade carismática e a seus dons da oratória, conseguiu influir sobre o êxito do congresso, como demonstra o voto sobre o direito de herança56, primeiro caso em que os delegados rejeitaram uma proposta do Conselho Geral.

Depois de ter finalmente derrotado os mutualistas e o espectro de Proudhon, Marx se viu, a partir daquele momento, na necessidade de enfrentar um rival ainda mais hostil, um desafiante que formou uma nova tendência no interior da organização e que visava a conquistá-la: o anarquismo coletivista.

VII. O desenvolvimento em toda a Europa e a oposição à Guerra Franco-Prussiana
O período entre o fim dos anos 1860 e o início dos anos 1870 foi rico em conflitos sociais. Nesse ínterim, muitos dos trabalhadores que tomaram parte nos protestos resolveram dirigir-se à Internacional, cuja fama difundia-se cada vez mais, solicitando a ela a intervenção em favor de sua luta. Apesar de seus recursos limitados, o Conselho Geral jamais deixou de responder às instâncias que o procuraram, manifestando-se por meio da redação de apelos de solidariedade endereçados a todas as suas seções europeias e organizando coletas de fundos. Em março de 1869, por exemplo, ele interveio em resposta aos oitocentos tecelões e tingidores da Basileia que haviam recorrido à Internacional solicitando apoio a sua greve. O Conselho Geral não pôde enviar-lhes mais do que £ 4, porém, graças a uma circular, conseguiu recolher mais £ 300 entre diversos grupos de operários em muitos países. Ainda mais significativo foi o papel desempenhado pela Internacional na luta dos operários da indústria mecânica de Newcastle pela redução da jornada de trabalho para nove horas. Nessa circunstância, de fato, foi determinante a mediação política de dois de seus emissários, James Cohen e Eccarius, que conseguiram debelar a tentativa dos patrões de substituir os grevistas ingleses por trabalhadores de outros países europeus. O sucesso dessa luta, que se tornou um caso de dimensões nacionais, representou uma advertência para os capitalistas ingleses, que, a partir de então, desistiram de recrutar trabalhadores do outro lado do Canal da Mancha57.

Em 1869, a Internacional obteve significativa expansão em toda a Europa. A Inglaterra foi, no entanto, uma exceção. O congresso dos sindicatos ingleses, reunidos em Birmingham em agosto, enviou uma recomendação a todas as suas organizações afiliadas para que aderissem à Internacional. Porém, o apelo não foi atendido, e o número de adesões permaneceu mais ou menos igual àquele atingido em 1867. Também os dirigentes sindicais ingleses, moderados e poucos propensos a questões teóricas58, mostraram um interesse limitado nos confrontos da organização. Sem hesitar, apoiaram Marx na luta contra os mutualistas, mas faltava-lhes espírito revolucionário. Por essa razão, Marx se opôs por longo tempo ao nascimento de uma federação inglesa independente do Conselho Geral.

Em todos os países europeus em que a Internacional obteve alguma força, seus militantes deram vida a organizações independentes daquelas já existentes. De acordo com sua grandeza, estas assumiram a forma de seções locais e/ou de federações nacionais. Na Inglaterra, ao contrário, a Internacional teve uma configuração distinta. Antes de mais nada, era constituída de sindicatos, que, naturalmente, jamais desmantelaram suas estruturas. Além disso, o Conselho Geral, com sede em Londres, desempenhava a dupla função de quartel-general mundial e de centro de liderança para a Inglaterra. De qualquer modo, as filiações sindicais na Inglaterra mantiveram cerca de 50 mil trabalhadores em sua órbita de influência, de modo que, no fim da década de 1860, a Internacional encontrava-se reforçada em toda a Europa.

Devido à dura repressão imperial, o ano de 1868 na França ficou caracterizado por uma fortíssima crise da Internacional, que, com a única exceção de Rouen, vira desaparecer todas as suas seções. O ano seguinte tornou-se, ao contrário, o de seu renascimento. Após o Congresso de Basileia, Tolain deixou de representar a figura de ponta da organização, e surgiram novos dirigentes, entre eles, por exemplo, Varlin, que abandonara suas anteriores convicções mutualistas. O ano de 1870 foi o momento de expansão máxima da Internacional. As estimativas do número de filiados divergem muito daquelas difundidas de modo fantasioso por alguns estudiosos e depois consolidadas no senso comum. Ademais, não se pode esquecer que a organização jamais conseguiu se estabelecer em 38 dos 90 departamentos à época existentes na França. Todavia, os inscritos aumentaram nitidamente em relação ao passado. É possível conjeturar que em Paris seu número fosse de cerca de 10 mil membros, muitos dos quais aderiram à Internacional por meio de sociedades cooperativas, câmaras sindicais e sociedades de resistência. Na cidade de Lyon, onde em setembro de 1870, após uma sublevação, uma comuna havia sido proclamada e violentamente reprimida, as estimativas mais rigorosas seriam de 3 mil trabalhadores, o mesmo número de Roen, ao passo que em Marselha eram mais de 4 mil. No entanto, estima-se que o total de filiados em todo o território nacional estava entre 3 e 4 mil trabalhadores59.

Portanto, embora uma rigorosa pesquisa historiográfica ateste que, na França, a Internacional ainda não havia se tornado uma verdadeira organização de massa, ela havia certamente se expandido e despertava um interesse difuso, como mostra o pedido de adesão encaminhado ao Conselho Geral também por parte de grupos como os Proletários Positivistas de Paris60. A partir de 1870, mesmo alguns discípulos de Blanqui superaram suas antigas precauções diante de uma organização inspirada pela moderação proudhoniana e, testemunhando sua popularidade crescente entre os operários, começaram a aderir a ela. Decerto, essa Internacional era muito diferente daquela fundada em 1865 por Tolain e Fribourg61, cujas seções eram quase meramente um tipo de “grupo de estudos”62. Em 1870, muita água havia passado por debaixo da ponte, e as linhas diretoras da organização na França eram a promoção do conflito social e a atividade política.

Na Bélgica, o período que se seguiu ao congresso de 1868, realizado em sua capital, distinguiu-se pela ascensão do sindicalismo, o êxito vitorioso das greves e a adesão à Internacional de inúmeras sociedades operárias. O número de inscritos atingiu seu máximo no começo dos anos 1870, quando chegou a algumas dezenas de milhares, superando provavelmente também o número total obtido na França. Na Bélgica, a Internacional atingiu seu apogeu, tanto pela proporção entre população e número de filiados como pelo peso que a organização exerceu na sociedade.

Nesse período, o progresso da Internacional manifestou-se também na Suíça. Em 1870, o número total de seus militantes chegou a 6 mil (com uma população total de cerca de 700 mil trabalhadores). Na cidade de Genebra, existiam 34 seções, para um total de 2 mil filiados; enquanto na região do Jura eles eram cerca de oitocentos. Porém, não tardou até que as teorias de Bakunin dividissem a organização em dois grupos de igual grandeza. Ambos se confrontaram no Congresso da Federação Romanda, realizado em abril de 1870, propriamente para deliberar sobre a decisão de acolher no interior da federação a Aliança da Democracia Socialista63. A impossibilidade de conciliar a disputa entre os dois partidos determinou a realização de dois congressos paralelos, e somente após a intervenção do Conselho Geral conseguiu-se uma trégua. O grupo que se alinhava às posições de Londres, levemente minoritário no congresso, conservou o nome de Federação Romanda, enquanto aquele ligado a Bakunin assumiu o nome de Federação do Jura, embora seu pertencimento à organização tenha sido novamente reconhecido.

No primeiro grupo distinguiram-se Nikolai Utin (1845-1883), fundador da primeira seção russa da Internacional64, na cidade de Genebra, e, uma vez mais, Becker, que, apesar de sua colaboração com Bakunin de meados de 1868 a fevereiro de 1870, conseguiu evitar – depois de mudar de opinião sobre o anarquista russo – que na Suíça a organização caísse inteiramente em suas mãos. A consolidação da Federação do Jura representou, de qualquer modo, uma etapa importante na construção de uma corrente anárquico-federalista no interior da Internacional. Sua figura de destaque foi o jovem James Guillaume (1844-1916), que desempenhou um papel fundamental no confronto com Londres.

Nessa fase, as ideias de Bakunin começaram a difundir-se em muitas cidades, sobretudo do sul da Europa. O país em que obtiveram o consenso mais rapidamente foi a Espanha. Na Península Ibérica, com efeito, a Internacional nasceu graças à iniciativa do anarquista napolitano Giuseppe Fanelli (1827-1877), que, entre outubro de 1868 e a primavera de 1869, a convite de Bakunin, viajou a Barcelona e a Madri para fundar seções da Internacional e grupos da Aliança da Democracia Socialista, na qual o italiano militava. A viagem obteve resultados positivos, mas gerou também uma enorme confusão. Fanelli, de fato, difundiu tanto os documentos da Internacional quanto os princípios da Aliança da Democracia Socialista (e, ainda por cima, às mesmas pessoas), o que fez com que – caso exemplar da babel bakuniniana e do ecletismo teórico da época – os operários espanhóis fundassem a Internacional com os princípios da Aliança da Democracia Socialista. Apesar disso, sua propaganda mostrou-se útil, uma vez que favoreceu a formação de dirigentes importantes – entre os quais Anselmo Lorenzo (1841-1914) –, que haviam se aproximado dos textos de Proudhon, traduzidos em espanhol por aquele que se tornaria o futuro presidente da Espanha, Francisco Pi y Margall (1824-1901). Além disso, ainda que contaminadas e confusas, as ideias da Internacional encontraram um movimento operário recém-nascido e disposto a organizar-se e a lutar. Já no tempo do Congresso de Basileia, de fato, o delegado Rafael Farga Pellicer (1840-1890) pôde referir-se à existência de muitas dezenas de seções.

Na Confederação Alemã do Norte, as coisas tomaram um rumo totalmente diverso. Apesar de o movimento operário daquele país já contar com duas organizações políticas – a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, de tendência lassalliana, e o Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores da Alemanha, de orientação marxista –, seu entusiasmo pela Internacional foi mínimo, assim como foram escassos os pedidos de adesão. Pelo temor de possíveis perseguições da parte do governo, durante os três primeiros anos de vida da Internacional os militantes alemães quase ignoraram a existência da organização. A partir de 1868, paralelamente à fama e aos sucessos que a Internacional começou a obter em outros países europeus, esse cenário se alterou, e os dois partidos alemães, em concorrência recíproca, ambicionaram representar a ala nacional. Na luta contra os lassallianos – cujo líder, Johann Baptist von Schweitzer, jamais pretendeu que sua Associação Geral aderisse à Internacional –, Liebknecht tentou usar a proximidade de sua organização com as posições de Marx, mas a adesão do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores da Alemanha à Internacional foi, na verdade, mais formal (ou “puramente platônica”65, como diz Engels) do que real. Dos cerca de 10 mil membros que estavam registrados nesse partido apenas um ano após sua fundação, aqueles que se filiaram à Internacional – procedimento consentido pelas “Leis Prussianas de Associação” – foram apenas algumas centenas66. Mais que quaisquer aspectos legais, pesou muito, portanto, o fraco senso de internacionalismo dos alemães, o qual diminuiu ainda mais na segunda metade da década de 1870, à medida que o movimento tornou-se mais preocupado com questões internas67.

A compensar os decepcionantes resultados alemães, houve duas novidades positivas. Em maio de 1869, algumas seções da Internacional foram fundadas em um novo país, a Holanda, onde a organização começou lentamente a se desenvolver, em Amsterdã e na Frísia. Pouco mais tarde, ela renasceu também na Itália, nação na qual só estivera presente, até então, com alguns núcleos esparsos e sem relação entre si.

Ainda mais significativa, pelo menos pelo caráter simbólico e as esperanças que despertou, foi a expansão da Internacional no outro lado do Atlântico. A partir de 1869, por iniciativa de alguns imigrantes chegados nos Estados Unidos no ano precedente, foram constituídas as primeiras seções. Todavia, a organização foi comprometida, desde seu nascimento, por duas limitações que jamais foram superadas. Apesar das repetidas exortações vindas de Londres, ela não conseguiu aplacar o caráter nacionalista dos vários grupos que a ela aderiram, tampouco atrair os operários nativos. Quando, em dezembro de 1870, as seções alemãs, francesas e tcheca fundaram o Comitê Central da AIT para a América do Norte, todos os seus membros eram nascidos no estrangeiro, um caso sem precedentes na história da organização. A prova mais clamorosa dessa anomalia foi representada pelo fato de que, nos Estados Unidos, a Internacional jamais dispôs de um órgão de imprensa em língua inglesa.

Nesse cenário de dimensão universal, ainda que marcado por evidentes contradições e pela marcha desigual de seu desenvolvimento nos diversos países, a Internacional se preparava para celebrar seu quinto congresso, em setembro de 1870. Embora, a princípio, estivesse previsto para ser sediado em Paris, a repressão exercida pelo governo francês fez com que o Conselho Geral cogitasse transferi-lo para a cidade de Mainz, onde Marx provavelmente vislumbrava a participação de um número maior de delegados alemães, mais próximos de sua posição, para contrastar com maior eficácia ao avanço de Bakunin. Todavia, a Guerra Franco-Prussiana, deflagrada a 19 de julho de 1870, forçou a suspensão do congresso.

O estouro de uma guerra no centro da Europa impôs à Internacional definir uma prioridade absoluta: ajudar o movimento operário a exprimir uma posição independente e distante da retórica nacionalista da época. Na Primeira Mensagem do Conselho Geral sobre a Guerra Franco-Prussiana, Marx convidou os operários franceses a derrubarem Luís Bonaparte (1808-1873) e o império por ele instaurado dezoito anos antes. Ao mesmo tempo, porém, os trabalhadores alemães deveriam impedir que a derrota de Bonaparte se convertesse num ataque ao povo francês:

em contraste com a velha sociedade, com suas misérias econômicas e seu delírio político, uma nova sociedade está desabrochando, uma sociedade cuja regra internacional será a paz, porque em cada nação governará o mesmo princípio – o trabalho! A pioneira dessa nova sociedade é a Associação Internacional dos Trabalhadores.68

Esse texto, impresso em Genebra com tiragem de 30 mil cópias (15 mil para a Alemanha e 15 mil para a França), foi a primeira grande declaração de política exterior da Internacional. Um dos muitos que manifestaram entusiasticamente seu apoio a esse documento foi John Stuart Mill (1806-1873): “não há uma única palavra fora do lugar e não poderia ter sido escrito de modo mais sucinto”69.

Os líderes do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores da Alemanha, Wilhelm Liebknecht e August Bebel (1840-1913), foram os dois únicos membros do parlamento na Confederação da Alemanha do Norte que se recusaram a votar a favor do orçamento de guerra70, e também várias seções da Internacional na França difundiram mensagens de amizade e solidariedade aos trabalhadores alemães. Todavia, a derrota francesa marcou o nascimento de uma mais potente era de Estados nacionais e do chauvinismo ideológico que a acompanhou em toda a Europa.

VIII. A Internacional e a Comuna de Paris
Depois da queda de Bonaparte, derrotado em Sedan pelos alemães em 4 de setembro de 1870, foi proclamada na França a Terceira República. Em janeiro do ano seguinte, a tomada de Paris, que sofrera um assédio por mais de quatro meses, forçou os franceses a aceitarem as condições impostas por Bismarck. A isso se seguiu um armistício, que permitiu a realização de eleições e a sucessiva nomeação de Adolphe Thiers (1797-1877) como chefe do poder executivo, sustentada por uma vasta maioria legitimista e orleanista. Na capital, porém, à diferença do restante da França, o descontentamento popular era mais intenso que em outros lugares, e as forças republicano-progressistas venceram por esmagadora maioria. A clara perspectiva de um governo que não realizaria nenhuma reforma social e que pretendia desarmar a cidade animou a sublevação dos parisienses. Esta se concluiu com a derrubada de Thiers e a fundação, em 18 de março, da Comuna de Paris, o mais importante evento político da história do movimento operário do século XIX.

A Bakunin, que havia conclamado os operários a transformar a guerra patriótica em guerra revolucionária71, o Conselho Geral respondeu, num primeiro momento, com o silêncio. Marx foi encarregado de redigir um texto em nome da Internacional, mas retardou sua publicação. As razões dessa espera foram complexas e difíceis. Conhecendo bem as relações reais de força em campo e as fraquezas da Comuna, Marx sabia desde o início que ela estava condenada à derrota. Ele até mesmo tentara advertir a classe operária francesa, já em setembro de 1870. Na Segunda mensagem do Conselho Geral sobre a Guerra Franco-Prussiana, afirmara:

Qualquer tentativa de prejudicar o novo governo na presente crise, quando o inimigo está quase batendo às portas de Paris, seria uma loucura desesperada. Os operários franceses […] não se devem deixar balançar pelas souvenirs [reminiscências] nacionais de 1792 […]. Eles não têm de recapitular o passado, mas sim edificar o futuro. Que eles aperfeiçoem calma e decididamente as oportunidades da liberdade republicana para a obra de sua própria organização de classe. Isso lhes dará novos poderes hercúleos para a regeneração da França e para nossa tarefa comum – a emancipação do trabalho. De seus esforços e sabedoria depende o destino da República.72

Uma declaração plena de fervor sobre a vitória da Comuna poderia gerar falsas expectativas entre os trabalhadores de toda e Europa e, assim, contribuir para sua desmoralização e perda de confiança. Marx decidiu, portanto, retardar a entrega do documento e ausentou-se por várias semanas das reuniões do Conselho Geral. Suas amargas previsões se confirmaram rapidamente, e em 28 de maio, pouco mais de dois meses depois de proclamada, a Comuna de Paris foi reprimida de modo sangrento. Dois dias mais tarde, Marx retornou ao Conselho Geral, trazendo consigo um manuscrito intitulado A guerra civil na França. Lido e aprovado por unanimidade, foi publicado com o nome de todos os componentes (como era hábito nos documentos do Conselho Geral). E poucas semanas, o texto produziu grande impacto, maior que qualquer outro documento do movimento operário no século XIX. Três edições inglesas em rápida sucessão foram aclamadas entre os trabalhadores e causaram escândalo nos ambientes burgueses. Em breve tempo, foi traduzido, integral ou parcialmente, para uma dezena de línguas e apareceu em jornais, revistas e opúsculos de diversos países da Europa e nos Estados Unidos. Até então, jamais um texto de uma organização operária conhecera semelhante difusão.

Apesar da defesa apaixonada e convicta de Marx, está absolutamente excluída a possibilidade de que a Internacional possa ter impulsionado os parisienses à insurreição ou tenha exercido uma influência decisiva sobre a Comuna de Paris, como afirmaram tanto os reacionários da época, ansiosos por condená-la, como os sucessivos marxistas dogmáticos, demasiadamente desejosos de enaltecê-la73. Embora reconhecendo o papel desempenhado pelos dirigentes da Internacional – entre eles, Leo Frankel (1844-1896), delegado para o trabalho, a indústria e o comércio da Comuna de Paris, apesar de sua nacionalidade húngara –, a liderança da Comuna de Paris esteve nas mãos da ala radical-jacobina. Nas eleições municipais de 26 de março, foram eleitos 85 representantes da Comuna74. Destes, 15 moderados (o assim chamado parti de maires, grupo composto de ex-presidentes de algumas circunscrições) e 4 radicais que renunciaram imediatamente e não participaram do Conselho da Comuna. Dos 66 restantes, 11, embora revolucionários, não tinham clara conotação política; 14 provinham do Comitê da Guarda Nacional; 15 eram radicais-republicanos e socialistas; 9, blanquistas; e 17 eram membros da Internacional75. Entre estes, estavam Édouard Vaillant (1840-1915), Benoît Malon (1841-1893), Auguste Serrailler (1840-1872), Jean-Louis Pindy (1840-1917), Albert Theisz (1839-1881), Charles Longuet (1839-1903) e os já mencionados Varlin e Frankel. Todavia, provenientes de diversas experiências e culturas políticas, não constituíram um grupo monolítico e, com frequência, votaram de modo diferente. Também esse fator contribuiu para a hegemonia do grupo radical-jacobino, que, em maio, com a aprovação de dois terços da assembleia (incluindo os blanquistas), constituiu um Comitê de Salvação Pública, de inspiração montanhesa*. Além disso, o próprio Marx declarou que “a maioria da Comuna não foi de modo algum socialista, nem poderia ter sido”76.

A Comuna de Paris foi reprimida com violência brutal pelo exército de Versalhes. Durante a “semana sangrenta” (de 21 a 28 de maio), cerca de 10 mil communards foram mortos em combate ou sumariamente justiçados. Foi o massacre mais violento da história da França. Os prisioneiros capturados superaram 43 mil e, destes, 13.500 foram condenados à prisão, a trabalhos forçados ou à pena de morte, ou foram deportados (em grande parte, para a longínqua colônia de Nova Caledônia). Por fim, cerca de 7 mil presos conseguiram fugir e exilar-se na Inglaterra, na Bélgica ou na Suíça. A imprensa conservadora e liberal europeia completou a obra dos soldados de Thiers. Seus articulistas acusaram os communards dos piores crimes, e a vitória da “civilidade” sobre a insolente causa dos trabalhadores foi saudada com grande contentamento.

A partir desse momento, a Internacional esteve no olho do furacão, e a ela foi atribuída a responsabilidade por todo ato contra a ordem constituída, a tal ponto que Marx perguntou ironicamente por que não lhe atribuíam também a culpa pelas calamidades naturais: “depois do grande incêndio de Chicago, o telégrafo espalhou pelo mundo que se tratava de um ato da Internacional; e é realmente surpreendente que ela não tenha sido culpada também pelo furacão que devastou as Índias Ocidentais”77.

Marx precisou dedicar dias inteiros para responder às falsificações sobre a Internacional e sobre sua pessoa publicadas nos jornais: “neste momento, tenho a honra de ser o homem mais caluniado e mais ameaçado de Londres”78. Enquanto isso, os governos de toda a Europa, preocupados que, depois de Paris, pudessem surgir outras sublevações, intensificaram ainda mais suas medidas repressivas. Thiers pôs rapidamente a Internacional na ilegalidade e solicitou ao primeiro-ministro inglês William Ewart Gladstone (1809-1898) a adoção do mesmo procedimento. Foi a primeira nota diplomática tendo como objeto uma organização dos trabalhadores. Pressões semelhantes foram dirigidas ao governo suíço pelo papa Pio IX (1792-1878), que considerava um erro gravíssimo continuar a “tolerar essa seita da Internacional, que pretende tratar a Europa inteira como tratou Paris. Esses senhores da Internacional devem ser temidos, porquanto trabalham em nome dos eternos inimigos de Deus e da humanidade”79. Às palavras do representante do Vaticano seguiu-se um acordo entre a França e a Espanha para a extradição dos communards refugiados além dos Pireneus, medida que se somou àquelas tomadas contra a Internacional na Bélgica e na Dinamarca. Enquanto Londres permaneceu imóvel, resistindo a violar seus princípios de asilo, representantes da Alemanha e do Império Austro-Húngaro reuniram-se em Berlim, em novembro de 1872, e emitiram uma declaração conjunta sobre a “questão social”:

1) que os objetivos da Internacional estão em absoluto contraste – e em antagonismo – com os princípios da sociedade burguesa; eles devem, portanto, ser vigorosamente repelidos;
2) que a Internacional constitui um perigoso abuso da liberdade de reunião e que, seguindo sua própria prática e princípio, a ação estatal contra ela deve ter um raio de ação internacional e, assim, basear-se na solidariedade de todos os governos;
3) que mesmo que alguns governos não pretendam aprovar alguma lei especial [contra a Internacional], como o fez a França, é preciso precaver-se contra a Associação Internacional dos Trabalhadores e suas atividades danosas.80
Tampouco na Itália a Internacional foi poupada de condenações decisivas. Aquela de maior peso veio de Giuseppe Mazzini, que desaprovou firmemente a organização na qual durante um tempo chegara a depositar esperanças, mas cujos princípios haviam se tornado “a negação de Deus, […] da pátria […] e de toda propriedade individual”81.

A crítica da Comuna também foi feita pelos setores mais moderados do movimento operário. Em seguida à publicação de A guerra civil na França, os dirigentes sindicais reformistas Benjamin Lucraft (1809-1897) e George Odger, também eles intimidados pela campanha de imprensa criada contra os operários parisienses, desligaram-se da Internacional. Todavia, nenhum sindicato desfiliou-se da organização após a declaração de apoio à Comuna, demonstrando uma vez mais que a ausência de expansão da Internacional na Inglaterra deveu-se substancialmente à apatia política de seus trabalhadores82.

Não obstante os dramáticos eventos de Paris e o furor da repressão brutal posta em ação por todos os governos europeus, a força da Internacional aumentou após os acontecimentos da Comuna de Paris. Apesar de frequentemente cercada pelas mentiras escritas contra ela por seus adversários, a expressão “A Internacional” tornou-se, nesse período, conhecida de todos. Para os capitalistas e a classe burguesa, foi sinônimo de ameaça da ordem constituída, mas para os operários significou a esperança num mundo sem exploração e injustiças83. A confiança de que isso fosse realizável aumentou depois da Comuna. A insurreição parisiense deu força ao movimento operário, impulsionando-o a assumir posições mais radicais e a intensificar a militância. Paris mostrou que a revolução era possível, que o objetivo podia e devia ser a construção de uma sociedade radicalmente diferente da capitalista, mas também que, para alcançá-lo, os trabalhadores deviam criar formas de associação política estáveis e bem organizadas84.

Essa enorme vitalidade se manifestou por toda parte. O número dos participantes das reuniões do Conselho Geral foi duplicado, e os jornais ligados à Internacional aumentaram tanto em número como em exemplares vendidos. Entre os periódicos que deram uma importante contribuição à divulgação dos princípios socialistas, os principais foram: L’Egalité, de Genebra, inicialmente bakuniniano, e mais tarde, após a mudança da redação ocorrida em 1870, transformado no principal órgão da Internacional na Suíça francesa; Der Volksstaat, de Leipzig, órgão do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores da Alemanha; La emancipation, de Madri, jornal oficial da federação espanhola; Il Gazzettino Rosa, de Milão, que aderiu à Internacional sob a influência dos eventos da Comuna de Paris; o Socialisten, primeira folha operária dinamarquesa; e, provavelmente o mais eficaz de todos, La Réforme Sociale, de Rouen85.

Por fim, e isso foi o mais importante, a Internacional prosseguiu com sua expansão em nível local. Continuou a aumentar na Bélgica e na Espanha, onde já antes da Comuna havia alcançado um nível de participação considerável, e teve sua fundação propriamente dita também na Itália. Muitos ex-mazzinianos, desiludidos com as tomadas de posição daquele que até pouco antes fora seu incontestado líder, decidiram unir-se à organização e se converteram rapidamente em seus principais dirigentes locais. Ainda mais importante foi o apoio recebido de Giuseppe Garibaldi (1807-1882). Embora tendo apenas uma vaga ideia do que fosse realmente aquela associação com sede central em Londres, “o herói dos dois mundos” decidiu apoiá-la com ímpeto, e sua carta de adesão – que contém uma frase tornada célebre: “A Internacional é o sol do futuro”86 – foi estampada em dezenas de folhas operárias, um divisor de águas para convencer muitos indecisos a unir-se às fileiras da organização.

Além disso, a Internacional abriu novas seções em Portugal, onde foi fundada em outubro de 1871, e na Dinamarca, onde a partir desse mesmo mês conseguiu rapidamente unificar grande parte das recém-criadas organizações sindicais de Copenhague e da Jutlândia. Muito significativo foi também o surgimento de seções de trabalhadores irlandeses na Inglaterra, assim como a nomeação do dirigente operário John MacDonnell como secretário correspondente para a Irlanda junto ao Conselho Geral. Por fim, chegaram também inesperados pedidos de adesão de várias partes do mundo, incluindo de alguns operários ingleses de Calcutá, de grupos de trabalhadores de Victoria, na Austrália, de Christchurch, na Nova Zelância, e de alguns artesãos de Buenos Aires.

IX. A Conferência de Londres de 1871
Nesse cenário, que não permitia a convocação de um novo congresso e a quase dois anos de distância do último, o Conselho Geral decidiu promover uma conferência em Londres. Realizou-se de 17 a 23 de setembro com a presença de 22 delegados87 vindos da Inglaterra (pela primeira vez, também a Irlanda se fez representar), da Bélgica, da Suíça e da Espanha, além dos exilados franceses. Apesar dos esforços para torná-la a mais representativa possível, tratou-se, de fato, de uma reunião ampliada do Conselho Geral.

Desde sua convocação, Marx anunciara que “nas presentes circunstâncias a questão da organização era a mais importante”, razão pela qual a conferência se concentraria “exclusivamente em questões organizacionais e políticas”, deixando de lado as discussões teóricas88. Ele expressou essa decisão durante a primeira sessão dos trabalhos:

O Conselho Geral convocou uma conferência para discutir com os delegados de vários países as medidas a serem tomadas contra os perigos que ameaçam a Associação em muitos países, e para avançar em direção a uma nova organização, que corresponda às necessidades da situação. Em segundo lugar, para elaborar uma resposta aos governos, que trabalham ininterruptamente para destruir a Associação com todos os meios de que dispõem. E, por fim, para resolver de uma vez por todas o conflito suíço.89

Reorganizar a Internacional, defendê-la da ofensiva das forças inimigas e obstaculizar a crescente influência de Bakunin: foram essas as prioridades da conferência de Londres. Para realizar tais objetivos, Marx empenhou todas as suas energias. Foi ele, de longe, o delegado mais ativo da conferência, tomando a palavra por 102 vezes; refutou com sucesso as propostas que não correspondiam a seus planos e conseguiu persuadir os indecisos90. Em Londres, foi confirmada sua estatura no interior da organização. Ele era não apenas seu cérebro, aquele que elaborava a linha política, mas também um de seus militantes mais combativos e capazes.

A decisão de maior relevo tomada durante a conferência, e pela qual ela seria depois lembrada, foi a aprovação da Resolução IX, proposta por Vaillant. O líder das remanescentes forças blanquistas, que haviam aderido à Internacional depois do fim da Comuna, propôs a transformação da Associação num partido internacional centralizado e disciplinado, sob a liderança do Conselho Geral. Apesar de algumas profundas divergências – a separar Marx e as forças blanquistas estava sobretudo a tese deste grupo segundo a qual, para fazer a revolução, bastaria contar com um núcleo bem organizado de militantes –, Marx não hesitou em estabelecer uma aliança com o grupo de Vaillant. Com seu apoio, de fato, ele poderia não só confrontar com maior força o anarquismo político que se fortalecia no interior da organização, mas – o que era ainda mais importante – construir um consenso mais amplo para as mudanças tidas como necessárias na nova fase da luta de classes. A resolução aprovada em Londres dizia:

Em presença de uma reação desabrida, que esmaga violentamente todo esforço de emancipação da parte dos trabalhadores e pretende manter pela força bruta a distinção entre as classes e a consequente dominação política das classes proprietárias;
que essa constituição da classe trabalhadora num partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e seu fim último – a abolição das classes;
que a combinação de forças que a classe trabalhadora já efetuou por meio de suas lutas econômicas deve ao mesmo tempo servir como alavanca para suas lutas contra o poder político dos senhores rurais e capitalistas.

A conclusão era clara: “na luta da classe trabalhadora, seu movimento econômico e sua ação política estão indissoluvelmente unidos”91. Se o Congresso de Genebra de 1866 havia confirmado a importância do sindicato, a Conferência de Londres de 1871 definiu o outro instrumento fundamental de luta do movimento operário: o partido político92. Sublinhe-se que, àquela época, a noção de partido político tinha um significado bem mais amplo do que aquele que se afirmaria no século XX e que a concepção de Marx era radicalmente distinta tanto da concepção blanquista, com a qual acabou por confrontar-se, quanto daquela leninista, que depois da Revolução de Outubro se consolidaria em inúmeras organizações comunistas.

Para Marx, a autoemancipação da classe operária exigia um processo longo e fatigante. Exatamente o contrário da ideia defendida no Catecismo do revolucionário, o manual niilista escrito em 1869 por Serguei Netchaev (1847-1882), e cujas teorias e práticas de sociedade secreta – censuradas pelos delegados de Londres93 – eram entusiasticamente apoiadas por Bakunin.

Apenas quatro delegados se opuseram à Resolução IX da Conferência de Londres, defendendo a necessidade de se adotar uma posição “abstencionista” de não engajamento na ação política; mas a vitória de Marx logo se mostrou efêmera. A deliberação aprovada em Londres, conclamando a criação de organizações políticas em cada país e a transferência de poderes mais amplos ao Conselho Geral, teve graves repercussões na vida da Associação, que ainda não estava pronta para suportar tal aceleração e transitar de um modelo flexível a outro, politicamente uniforme94.

Em Londres, por fim, foi também aprovada a criação do Conselho Federal Inglês. Na visão de Marx, uma vez que as condições para a revolução no continente haviam diminuído com a derrota da Comuna de Paris, não era mais necessário exercer um controle rígido das iniciativas inglesas95.

Após a conferência, Marx estava convicto de que as resoluções aprovadas em Londres receberiam o apoio de quase todas as principais federações e seções locais. Mas pouco tempo depois ele precisou reavaliar a situação. Os militantes da Federação do Jura convocaram para 12 de novembro seu congresso, no pequeno município de Sonvilier. A iniciativa, da qual Bakunin não pôde participar, foi importante, pois com ela nasceu oficialmente a oposição no interior da Internacional. Na Circular a todas as federações da Associação Internacional dos Trabalhadores, redigida ao final dos trabalhos, Guillaume e os outros participantes do congresso acusaram o Conselho Geral de ter introduzido na organização “o princípio de autoridade” e de haver alterado a estrutura originária, transformando-a “numa organização hierárquica, dirigida e governada por um comitê”. Os suíços se declararam “contra toda autoridade diretora, ainda que tal autoridade fosse eleita e aprovada pelos trabalhadores”, e destacaram que na Internacional devia ser conservado o “princípio da autonomia das seções”, também através do redimensionamento do Conselho Geral num “simples escritório de correspondência e de estatística”96. Por fim, convocaram um congresso a ser realizado o mais breve possível.

Embora a posição da Federação do Jura já fosse prevista, Marx foi provavelmente surpreendido quando, em 1872, sinais de insurgência e rebelião em relação a sua linha política surgiram de várias partes. Em muitos países, as decisões tomadas em Londres foram recebidas como uma forte ingerência na autonomia política local e, portanto, como uma imposição inaceitável. A Federação Belga, que durante a conferência havia tentado construir uma mediação entre as partes, começou a assumir uma posição bastante crítica em relação a Londres.

Em seguida, também os holandeses assumiram uma posição de distanciamento crítico. Ainda mais duras foram as reações na Europa meridional, onde a oposição rapidamente obteve notáveis consensos. A grande maioria dos internacionalistas ibéricos voltou-se decididamente contra o Conselho Geral e acolheu as ideias de Bakunin, também porque mais adequadas a um país em que o proletariado industrial só estava presente nos principais centros, e onde o movimento dos trabalhadores ainda era muito fraco e interessado principalmente em reivindicações de caráter econômico. Igualmente na Itália os resultados da Conferência de Londres só geraram reações negativas. Aqueles que não seguiram Mazzini – que de 1o a 6 de novembro de 1871 reuniu em Roma o bloco mais moderado dos trabalhadores italianos no Congresso Geral da Sociedade Operária Italiana – aderiram às posições de Bakunin. Os participantes da conferência de fundação da Federação Italiana da Internacional, realizada em Rimini de 4 a 6 de agosto de 1872, assumiram a posição mais radical contra o Conselho Geral: não participariam do próximo congresso da Internacional, mas estariam presentes em Neuchâtel, na Suíça, onde propuseram a realização de um “congresso geral antiautoritário”97. De fato, esse foi o primeiro ato da iminente cisão.

Também do outro lado do oceano, embora por razões diferentes, a organização viu explodir um sério conflito interno. No decorrer de 1871, a Internacional havia crescido em várias cidades dos Estados Unidos, alcançando um total de cerca de 2.700 militantes, divididos em 50 seções98. No ano seguinte, seu contingente aumentou ainda mais, ainda que o número total (provavelmente cerca de 4 mil) constituísse uma parte minúscula da população trabalhadora americana, que à época ultrapassava 2 milhões. A organização não conseguiu atrair os trabalhadores nascidos nos Estados Unidos e, assim, ultrapassar os confins da comunidade dos imigrantes. A seus limites originários se somaram os danos provocados pelos conflitos internos. Em dezembro de 1871, de fato, os internacionalistas americanos se dividiram em dois grupos, ambos com base em Nova York, onde se encontrava grande parte dos militantes. Cada um deles reivindicava ser o representante legítimo da Internacional nos Estados Unidos.

O primeiro grupo, inicialmente mais numeroso e conhecido pelo nome de Spring Street Council, propunha uma aliança com os setores mais liberais da sociedade americana, contava como apoio de Eccarius, secretário correspondente junto ao Conselho Geral, e tinha na Seção 12 sua parte mais ativa99. O segundo, cujo quartel-general era sediado no Tenth Ward Hotel, defendia o caráter operário da Associação e tinha como expoente mais significativo Friedrich Adolph Sorge (1828-1906). Em março de 1872, o Conselho Geral tentou uma reconciliação entre as partes e sugeriu a realização de um congresso unitário para o mês de julho. Mas a tentativa de pacificação fracassou e, em maio, a cisão foi oficial. Os conflitos causaram uma hemorragia dos filiados. O grupo do Tenth Ward Hotel realizou seu congresso entre 6 e 8 de julho de 1872. Nele foi fundada a Federação Americana, que contava com 950 filiados divididos em 22 seções (12 alemãs, 4 francesas, 1 irlandesa, 1 italiana, 1 para trabalhadores escandinavos e apenas 3 de língua inglesa). O Spring Street Council contava com a maior parte dos outros militantes residentes em Nova York. Porém, em maio de 1872, alguns de seus membros aderiram à convenção do Partido por Direitos Iguais (Equal Rights Party), que lançou a candidatura de Victoria Woodhull (1838-1927) à presidência dos Estados Unidos. A ausência de uma plataforma de classe no seu programa – que continha apenas promessas genéricas de regulação das condições laborais e criação de postos de trabalho para os desocupados – convenceu diversas seções a abandonar esse partido, que ficou com apenas 1.500 militantes. Quando, em julho, em seu congresso, foi fundada a Confederação Americana, não havia restado mais que 13 seções com menos de 500 militantes, sobretudo artesãos e intelectuais. Essas seções se uniram a outras federações que, na Europa, contestavam a linha do Conselho Geral.

As desavenças do outro lado do Atlântico danificaram também as relações entre os militantes de Londres. John Hales (1839-?), secretário do Conselho Geral entre 1871 e 1872, ocupou o posto de Eccarius como secretário correspondente dos Estados Unidos, porém deu continuidade à mesma política. As relações pessoais de ambos com Marx rapidamente se deterioraram, e também na Inglaterra começaram a surgir os primeiros conflitos internos. Ao lado dos ingleses, a apoiar o Conselho Geral, havia permanecido a maioria dos suíços, dos franceses (naquele momento, sobretudo blanquistas) e as fracas tropas alemãs, além das seções recém-criadas na Dinamarca, na Irlanda, em Portugal e, no Leste Europeu, na Hungria e na Boêmia. Muito menos do que Marx esperava obter ao término da Conferência de Londres.

A oposição ao Conselho Geral foi de diversos tipos e muitas vezes baseou-se em motivos pessoais. Formou-se, assim, uma estranha alquimia, que tornou a direção da organização ainda mais problemática. No entanto, além do fascínio exercido pelas teorias de Bakunin em alguns países e da capacidade política de Guillaume de congregar os vários opositores, o principal adversário da virada ocorrida com a resolução sobre a “ação política da classe operária” foi um ambiente ainda imaturo para receber o salto de qualidade proposto por Marx. Apesar das declarações de utilidade que a acompanharam, a virada iniciada em Londres foi percebida por muitos como forte imposição. O princípio de autonomia das várias realidades das quais se compunha a Internacional era considerado uma das pedras basilares da Associação, não só pelo grupo mais ligado a Bakunin, mas por grande parte das federações e seções locais. Esse foi o erro de avaliação cometido por Marx, erro que acelerou a crise da Internacional100.

X. A crise da Internacional
A batalha final ocorreu no fim do outono de 1872. Depois dos terríveis eventos dos três anos anteriores – a Guerra Franco-Prussiana, a onda de repressão que se seguiu à Comuna de Paris e os inúmeros conflitos internos –, a Internacional pôde finalmente voltar a reunir-se num congresso. Nos países em que havia se firmado mais recentemente, ela se expandiu graças ao entusiasmo dos dirigentes sindicais e dos operários mais ativos, rapidamente conquistados e motivados por suas palavras de ordem. O ano de 1872 foi, de fato, aquele em que a organização conheceu o momento de maior expansão na Itália, na Dinamarca, em Portugal e na Holanda. Inversamente, porém, ela fora desmantelada na França, na Alemanha e no Império Austro-Húngaro. Enquanto isso, a maior parte de seus militantes ignorava a gravidade dos conflitos que acirravam os ânimos no grupo dirigente101.

O V Congresso Geral da Internacional realizou-se em Haia, entre 2 e 7 de setembro. Dele participaram 65 delegados, representando 14 países. A maioria era composta de franceses e alemães, com respectivamente dezoito (muitos dos quais eram membros do Conselho Geral, que havia cooptado quatro blanquistas) e quinze delegados, seguidos de sete delegados belgas, cinco ingleses, cinco espanhóis, quatro suíços, quatro holandeses, dois austríacos e um único delegado de Dinamarca, Irlanda, Hungria, Polônia e Austrália (W. E. Harcourt, da seção de Victoria). O francês Paul Lafargue foi nomeado pela Federação de Lisboa e pela Federação de Madri. Apesar de os internacionalistas italianos não terem enviado seus sete delegados, o congresso de 1872 foi certamente a reunião mais representativa da história da Internacional.

A importância decisiva do evento fez com que Marx tomasse parte nele pessoalmente102, acompanhado de Engels. Foi o único congresso da Internacional de que Marx participou. Não estiveram presentes, ao contrário, nem César de Paepe (talvez por estar consciente de que não poderia exercer o papel de mediação entre as partes que havia desempenhado no ano anterior, em Londres) nem Bakunin. O componente “autonomista”, isto é, a posição de todos aqueles que se opunham às escolhas do Conselho Geral, foi representado por 25 delegados (todos os provenientes da Bélgica, da Espanha e da Holanda, a metade dos suíços e alguns da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos).

A ironia do destino quis que o congresso se realizasse no Concordia Hall, mas nele houve pouquíssima concórdia. Todas as sessões foram marcadas por irredutível antagonismo entre as duas posições contrapostas. Os debates foram muito mais pobres do que aqueles dos dois congressos precedentes, dominados a tal ponto pelos conflitos que os três primeiros dias de trabalhos foram consumidos na resolução de problemas relativos à verificação das credenciais dos presentes. A representatividade dos delegados foi absolutamente parcial. Ela não espelhava as verdadeiras relações de força no interior da organização. Na Alemanha, por exemplo, não existiam propriamente seções da Internacional, enquanto na França elas eram clandestinas, o que tornava muito discutível a verificação dos mandatos de seus delegados. Outros participantes eram delegados enquanto membros do Conselho Geral e não representavam nenhuma seção.

A aprovação das resoluções do Congresso de Haia só foi possível graças a uma composição imprópria de sua plateia. Apesar de espúria e, em muitos aspectos, mantida unida por objetivos instrumentais, a coalizão dos delegados que em Haia formavam uma minoria representava, na realidade, a parte mais consistente da Internacional103.

A decisão de maior relevo tomada em Haia foi a introdução da principal deliberação política da conferência de 1871 nos estatutos da Associação. A esses foi adicionado um artigo, o “7a”, no qual é retomada a Resolução IX aprovada em Londres. Se nos Estatutos provisórios de 1864 constava que “a emancipação econômica da classe operária é o grande escopo ao qual todo movimento político está subordinado como meio”, o artigo inserido em 1872 espelhava as novas relações de força no interior da organização. A luta política não era mais considerada um tabu, mas, antes, o instrumento necessário para a transformação da sociedade:

Porque os senhores da terra e do capital se servem de seus privilégios políticos para proteger e perpetuar seus monopólios econômicos, assim como para escravizar o trabalho, a conquista do poder político converte-se numa grande obrigação do proletariado.104

A Internacional era então muito diferente do que havia sido no tempo de sua fundação. Os componentes democrático-radicais haviam abandonado a Associação, depois de terem sido marginalizados; os mutualistas haviam sido derrotados e suas forças, drasticamente reduzidas; os reformistas não constituíam mais a parte dominante da organização (exceto na Inglaterra) e o anticapitalismo tornara-se a linha política de toda a Internacional, inclusive das tendências – como a anárquico-coletivista – que se haviam formado no curso dos últimos anos. Ainda que durante a existência da Internacional a Europa atravessasse uma fase de grande prosperidade econômica, que, em alguns casos, havia tornado menos difíceis suas condições, os operários haviam compreendido que sua situação só mudaria verdadeiramente com o fim da exploração do homem sobre o homem, e não por meio de reivindicações econômicas voltadas à obtenção de meros paliativos às condições existentes. Além disso, eles haviam começado a organizar suas lutas cada vez mais a partir das próprias necessidades materiais, e não, como antes, com base nas iniciativas dos vários grupos a que pertenciam.

Ademais, o cenário havia mudado radicalmente também no exterior da organização. A unificação da Alemanha, ocorrida em 1871, marcou o início de uma nova era, em que o Estado-nação se afirmou definitivamente como forma de identidade política, jurídica e territorial. O novo contexto tornava pouco plausível a continuidade de um organismo supranacional ao qual as organizações dos vários países, ainda que munidas de autonomia, deviam ceder uma parte consistente da direção política e uma cota das contribuições dos próprios filiados. Além disso, a diferença ente os movimentos e as organizações existentes nos vários países havia aumentado, tornando extremamente difícil ao Conselho Geral a realização de uma síntese política capaz de satisfazer as exigências dos grupos que operavam nos contextos nacionais singulares. É verdade que a Internacional havia sido, desde o início, um aglomerado de forças sindicais e associações políticas pouco compatíveis entre si, e que estas representavam sensibilidades e tendências políticas, mais do que organizações propriamente ditas. Em 1872, no entanto, os vários componentes da Associação – e as lutas operárias em geral – haviam se definido e estruturado muito mais claramente. A legalização dos sindicatos ingleses os convertera oficialmente em parte da vida política nacional; a Federação Belga da Internacional era uma organização ramificada, com uma direção central capaz de dar contribuições teóricas autônomas e importantes; a Alemanha tinha dois partidos operários, o Partido Social-Democrata dos Trabalhadores da Alemanha e a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, ambos com representação no parlamento; os trabalhadores franceses, de Lyon a Paris, já haviam tentado “assaltar os céus”; e a Federação Espanhola se expandira a ponto de se tornar uma organização de massa. Mudanças análogas se haviam produzido em outros países.

A configuração inicial da Internacional estava, portanto, superada, e sua missão originária havia sido concluída. Não se tratava mais de conceber e coordenar iniciativas de solidariedade em escala europeia para a sustentação das greves, nem de realizar congressos para discutir a utilidade das organizações sindicais ou a necessidade de socializar a terra e os meios de produção. Esses temas haviam se tornado patrimônio coletivo de todos os componentes da organização. Depois da Comuna de Paris, o verdadeiro desafio colocado ao movimento operário era a revolução, isto é, o de como organizar-se para pôr fim ao modo de produção capitalista e derrubar as instituições do mundo burguês. Não mais a questão da reforma da sociedade existente, mas da construção de uma nova105. Para avançar por esse novo caminho da luta de classes, Marx pensava ser inadiável a construção, em cada país, de partidos políticos da classe operária. O documento Ao conselho federal da região espanhola da Associação Internacional dos Trabalhadores, redigido por Engels em fevereiro de 1871, foi uma das declarações do Conselho Geral mais explícitas nessa direção. De fato, nesse documento afirmou-se que:

a experiência mostrou que a melhor maneira de emancipar os trabalhadores dessa dominação dos velhos partidos é formar, em cada país, um partido proletário com uma política própria, manifestamente distinta daquela dos outros partidos, porquanto tem de expressar as condições necessárias para a emancipação da classe trabalhadora. Essa política pode variar em detalhes, de acordo com as circunstâncias específicas de cada país; mas enquanto as relações fundamentais entre o trabalho e o capital forem as mesmas em toda parte, e a dominação política das classes possuidoras sobre as classes exploradas for um fator universalmente existente, os princípios e objetivos da política proletária serão idênticos, ao menos em todos os países ocidentais. As classes possuidoras – a aristocracia rural e a burguesia – mantêm a população trabalhadora na servidão, não só mediante o poder de sua riqueza, pela simples exploração do trabalho pelo capital, mas também pelo poder do Estado – pelo Exército, a burocracia, os tribunais. Deixar de combater nossos adversários no campo político significaria abandonar uma das armas mais poderosas, particularmente na esfera da organização e da propaganda.106

Daquele momento em diante, portanto, o partido passou a ser considerado um instrumento essencial para a luta do proletariado. Ele devia ser independente das outras forças políticas existentes e construído, tanto do ponto de vista programático como organizacional, em função do contexto nacional singular. Na sessão do Conselho Geral de 23 de julho de 1872, Marx criticou não só os abstencionistas (que atacavam a Resolução IX da Conferência de Londres), mas a posição igualmente perigosa das “classes trabalhadoras da Inglaterra e da América, que se haviam deixado usar pela burguesia para seus objetivos políticos”107.

Essa segunda questão foi repetida por Marx em várias ocasiões. Durante a Conferência de Londres, ele havia declarado: “é preciso que a política seja feita adequando-se às condições de cada país”108. No ano seguinte, num discurso proferido em Amsterdã logo após o fim do congresso de 1872, ele retornou à questão da forma da luta política:

Um dia o trabalhador deverá tomar o poder político para construir a nova organização do trabalho; ele terá de derrubar a velha política que sustenta as velhas instituições, se não quiser privar-se do paraíso neste mundo, como os antigos cristãos, que negligenciaram e desprezaram a política. Mas isso não significa dizer que os meios para atingir essa meta são os mesmos em todos os lugares. […] Não negamos que há países […] onde os trabalhadores podem atingir sua meta por meios pacíficos. Apesar disso, também temos de reconhecer o fato de que na maior parte dos países do continente a alavanca de nossa revolução deve ser a força; é à força que um dia deveremos apelar para erigir o reino do trabalho.109

Os partidos políticos operários, independentemente do modo como estavam constituídos em seus diversos contextos, não deviam submeter-se aos interesses nacionais110. A batalha pelo socialismo não podia permanecer confinada num âmbito tão estreito, e o internacionalismo, especialmente no novo contexto histórico, devia continuar a ser o farol do proletariado, assim como sua vacina contra o abraço mortal do Estado e do sistema capitalista.

Durante o Congresso de Haia, as votações foram precedidas de acirradas polêmicas. A primeira delas foi em relação ao artigo 7a. Em seguida à sua aprovação, a meta da conquista do poder político foi oficialmente inserida no estatuto da Associação, juntamente com a indicação de que o partido operário era um instrumento essencial para alcançá-la.

A decisão seguinte, de conferir poderes mais amplos ao Conselho Geral, aprovada com 32 votos a favor, 6 contra e 12 abstenções, tornou a situação ainda mais intolerável para a minoria. A partir daquele momento, o Conselho tinha a tarefa de garantir em cada país a “rígida observação dos princípios, estatutos e regras gerais da Internacional”, e a ele se atribuía “o direito de suspender ramos, seções, conselhos ou comitês federais e federações da Internacional até o próximo congresso”111.

Pela primeira vez na história da Internacional, seu mais alto congresso aprovou também (por 47 votos a favor e 9 abstenções) a decisão do Conselho Geral de expulsar uma organização: a Seção 12 de Nova York. Sua motivação foi a seguinte: “A Associação Internacional dos Trabalhadores baseia-se no princípio da abolição das classes e não pode admitir nenhuma seção burguesa”112. As expulsões de Bakunin (25 votos a favor, 6 contra, 7 abstenções) e Guillaume (25 votos a favor, 9 contra, 8 abstenções) também causaram grande celeuma, tendo sido propostas por uma comissão de inquérito que descreveu a Aliança da Democracia Socialista como “uma organização secreta, com estatutos completamente opostos aos da Internacional”113. Por outro lado, rejeitou-se (15 votos a favor, 17 contra e 7 abstenções) a proposta de expulsão de Adhémar Schwitzguébel (1844-1895), um dos fundadores e membros mais ativos da Federação do Jura114, sobre o qual recaíram as mesmas acusações formuladas contra Guillaume. Por fim, o congresso estabeleceu também a publicação de um longo relatório, intitulado A Aliança da Democracia Socialista e a Associação Internacional dos Trabalhadores, que reconstrói a história da organização liderada por Bakunin e apresenta uma análise de suas atividades pública e secreta em cada país. O texto, redigido por Engels, Lafargue e Marx, foi publicado em francês em julho de 1873.

Durante todas as votações do congresso, a oposição adotou uma linha de conduta não unitária: uma parte dela se absteve, a outra votou contra. No último dia do evento, porém, a minoria apresentou uma declaração comum, lida pelo operário Victor Dave (1845-1922), delegado da seção de Haia, e na qual se dizia que:

1. Nós, os […] partidários da autonomia e da federação de grupos de operários, devemos dar continuidade a nossas relações administrativas com o Conselho Geral […].
2. As federações que representamos estabelecerão relações diretas e permanentes com todos os ramos regulares da Associação. […]
4. Conclamamos todas as federações e seções a prepararem, de hoje até o próximo congresso geral, as bases para o triunfo, no interior da Internacional, dos princípios da autonomia federativa como a base da organização do trabalho.115

Essa declaração foi um hábil expediente da oposição para não assumir a responsabilidade por uma cisão que já se previa como inevitável. Juntamente com as medidas votadas pela maioria em relação aos novos poderes conferidos ao Conselho Geral, as propostas expressas nessa comunicação constituíam mais medidas táticas para fins internos do que um sério empenho político para dar novo impulso à organização. De fato, na sessão matutina de 6 de setembro, consumou-se o último ato da Internacional tal como havia sido concebida e constituída no curso dos últimos anos. Foi o momento mais dramático de todo o Congresso de Haia. Engels tomou a palavra e, para a surpresa dos presentes, propôs “que a sede do Conselho Geral fosse transferida para Nova York para o ano de 1872-1873 e que ele fosse formado por membros do Conselho Federal Americano”116. Poucas palavras abalaram certezas consolidadas. O Conselho Geral se trasladaria para além-mar, a uma enorme distância das federações europeias; Marx e outros “fundadores” da Internacional não fariam mais parte de seu órgão central; este se constituiria de companheiros cujos nomes eram desconhecidos de todos (Engels propôs o número de sete membros, com a possibilidade de expandi-lo a um máximo de quinze). O delegado Maltman Barry (1842-1909), membro do Conselho Geral e defensor das posições de Marx, foi quem melhor descreveu a reação da plateia:

Podia-se ver a consternação e a decepção estampadas nas faces do partido opositor quando [Engels] pronunciou as últimas palavras. […] Levou um tempo até que alguém se levantasse para tomar a palavra. Foi um coup d’état, e todos se entreolhavam, na esperança de que alguém quebrasse o feitiço.117

Engels defendeu essa proposta dizendo que “em Londres os conflitos entre os grupos haviam atingido um tal nível que [o Conselho Geral] tinha de ser transferido para outro lugar”118 e que Nova York era a melhor escolha em tempos de repressão. Mas os blanquistas opunham-se violentamente à mudança, argumentando que “a Internacional deveria, antes de mais nada, ser a organização insurrecional do proletariado”119 e que “quando um partido se une para a luta […] sua ação é maior na medida em que seu comitê de liderança é ativo, bem armado e poderoso”. Assim, Vaillant e outros seguidores de Blanqui presentes em Haia sentiram-se traídos quando viram “a cabeça” da organização ser transferida “para o outro lado do Atlântico [enquanto] o corpo armado estava lutando na [Europa]”120. Partindo do suposto de que “a Internacional tivera uma papel pioneiro na luta econômica”, eles queriam que ela desempenhasse “um papel similar com respeito à luta política” e sua transformação num “partido operário revolucionário internacional”121. Percebendo que não seria mais possível exercer o controle sobre o Conselho Geral, eles abandonaram o congresso e, pouco tempo depois, a Internacional.

Muitos membros, mesmo entre as fileiras da maioria, votaram contra a mudança para Nova York, por entender que isso equivalia ao fim da Internacional como estrutura operacional. A decisão, aprovada por apenas três votos (26 a favor, 23 contra), acabou dependendo de nove abstenções e do fato de que a alguns membros da minoria agradava ver o Conselho Geral ser transferido para longe de seus próprios centros de atividade.

Outro fator para a mudança foi certamente a visão de Marx de que era melhor desativar a Internacional do que vê-la transformar-se numa organização sectária nas mãos de seus oponentes. A morte da Internacional, que certamente se seguiria à transferência do Conselho Geral para Nova York, era infinitamente preferível do que uma longa e inútil sucessão de lutas fratricidas. Porém, não parece convincente argumentar – como muitos o fizeram122 – que a principal razão para o declínio da Internacional era o conflito entre seus dois concorrentes, ou mesmo entre dois indivíduos, Marx e Bakunin, por maior que sejam suas estaturas. Na verdade, foram as mudanças ocorridas no mundo ao redor da Internacional que a tornaram obsoleta. O crescimento e a transformação das organizações do movimento operário, o fortalecimento dos Estados-nação, causado pela unificação nacional da Itália e da Alemanha, a expansão da Internacional em países como a Espanha e a Itália, com condições econômicas e sociais profundamente diferentes daquelas da Inglaterra e da França, onde a Associação havia nascido, a definitiva virada moderada do sindicalismo inglês e a repressão que se seguiu à queda da Comuna de Paris agiram, de modo concomitante, para tornar a configuração originária da Internacional inapropriada para as condições históricas modificadas.

Na complexidade desse cenário, no qual prevaleceram as tendências centrífugas, também pesaram, obviamente, tanto os acontecimentos internos quanto aqueles pessoais de seus protagonistas. A Conferência de Londres, por exemplo, longe de produzir o efeito salvífico que Marx imaginara, agravou significativamente a crise da organização, porquanto foi conduzida de modo rígido, sem avaliar adequadamente os humores existentes em seu interior e sem as precauções necessárias para evitar o fortalecimento do grupo dirigido por Bakunin123. Foi, de fato, uma vitória de Pirro para Marx, que, ao pôr em ação uma tentativa de resolver os conflitos internos, Trabalhadores, uni-vos!
terminou, ao invés disso, por acentuá-los. Todavia, as decisões tomadas em Londres produziram apenas uma aceleração de um processo já em curso e inevitável.

Por fim, às considerações de caráter histórico e àquelas relativas à dialética interna da organização acrescentam-se outras, não menos importantes, acerca de seu principal protagonista. Numa sessão da Conferência de Londres de 1871, Marx havia recordado aos delegados como “o trabalho do Conselho tornara-se imenso. Era obrigado a enfrentar questões gerais e questões nacionais”124. Além disso, a Internacional havia se expandido demasiadamente. Não era mais a organização de 1864, que se firmava sobre duas pernas, uma na Inglaterra e outra na França. Agora ela estava presente em todos os países da Europa, cada um dos quais com problemas próprios e características específicas. A organização estava não apenas dividida por conflitos internos, mas a chegada dos exilados da Comuna de Paris à capital britânica, trazendo consigo novas preocupações e uma bagagem variegada de ideias, tornou ainda mais difícil para o Conselho Geral a obtenção de uma síntese política.

Depois de oito anos intensamente dedicados à Internacional, Marx passara por inúmeras provas125. Consciente da retirada das forças operárias que se seguiria à Comuna de Paris – a primeira entre todas as suas preocupações –, ele decidiu dedicar seus anos futuros à tentativa de completar O capital. Quando cruzou o Mar do Norte em direção à Holanda, ele deve ter sentido que a batalha que o esperava seria a última que travaria como protagonista direto.

Do espectador silencioso daquele primeiro encontro, realizado em 1864 no St. Martin’s Hall, Marx tornara-se, em 1872, o líder da Internacional, reconhecido como tal não só pelos delegados dos vários congressos e pelos dirigentes do Conselho Geral, mas pela própria opinião pública. Se, portanto, a Internacional devia muitíssimo a Marx, também a existência deste último havia se transformado profundamente graças àquela organização. Antes da Internacional, Marx só era conhecido num círculo restrito de militantes, ao passo que, depois da Comuna de Paris – certamente também graças à publicação de seu magnum opus, em 1867 –, a fama de seu nome começara a difundir-se entre os revolucionários de muitos países europeus, ao ponto de a imprensa apelidá-lo de “doutor do terror vermelho”. Além disso, a responsabilidade derivada de seu papel na Internacional, que lhe dera a oportunidade de analisar mais diretamente tantas lutas econômicas e políticas, serviu como mais um estímulo para suas reflexões sobre o comunismo e enriqueceu profundamente o conjunto de sua teoria anticapitalista.

XI. Marx versus Bakunin
A batalha entre os dois campos intensificou-se nos meses seguintes ao Congresso de Haia, mas apenas em alguns casos o conflito se desenvolveu em torno das diferenças entre suas teorias e ideologias políticas. Com frequência, Marx preferiu ridicularizar as posições de Bakunin, descrevendo-o como um defensor da “equalização das classes”126 (com base nos princípios programáticos da Aliança da Democracia Socialista, formulados em 1869) ou do abstencionismo político tout court. Já o anarquista russo, que carecia das qualidades teóricas de seu adversário, escolheu o terreno das acusações e insultos pessoais. A única exceção foi a “Carta ao jornal La Liberté de Bruxelas”, redigida no início de outubro de 1872, na qual Bakunin expôs de modo positivo sua concepção. Desse escrito – que ficou incompleto e, por isso, não pôde ser utilizado por seus seguidores nas discussões que dominaram aqueles anos – emerge claramente a verdadeira posição política dos “autonomistas”:

Há apenas uma lei vinculando todos os membros […], seções e federações da Internacional […]. É a solidariedade internacional dos trabalhadores de todas as categorias profissionais e de todos os países na luta econômica contra os exploradores do trabalho. É a organização real dessa solidariedade mediante a ação espontânea das classes trabalhadoras e a federação absolutamente livre […] que constitui a unidade real e viva da Internacional. Quem pode duvidar que é dessa organização cada vez mais ampla da solidariedade militante do proletariado contra a exploração burguesa que a luta política do proletariado contra a burguesia tem de surgir e crescer? Os marxistas e nós somos unânimes sobre esse ponto. Mas agora vem a questão que nos distingue tão profundamente dos marxistas. Pensamos que a política do proletariado deve ser uma política revolucionária, voltada direta e unicamente à destruição dos Estados. Não vemos como seja possível falar de solidariedade internacional e, no entanto, querer preservar os Estados […] porque o Estado, por sua própria natureza, é uma ruptura daquela solidariedade e, portanto, uma permanente causa de guerras. Tampouco podemos conceber como seja possível falar de liberdade do proletariado ou de emancipação real das massas no interior e por intermédio do Estado. Estado significa domínio, e todo domínio envolve a subjugação das massas e, por conseguinte, sua exploração por uma mesma minoria dominante. Não aceitamos, mesmo no processo de transição revolucionária, quaisquer formas de assembleias constituintes, governos provinciais ou das assim chamadas ditaduras revolucionárias, pois estamos convencidos de que a revolução só é sincera, honesta e real nas mãos das massas e que, ao se concentrar nas mãos de uns poucos indivíduos governantes, ela se converte inevitavelmente em reação.127

Assim, embora Bakunin tivesse em comum com Proudhon uma oposição intransigente a qualquer forma de autoridade política, especialmente na forma direta do Estado, seria errado equiparar sua posição com a dos mutualistas. Enquanto estes últimos exercitaram seu abstencionismo de modo passivo, renunciando de fato a toda atividade política, os autonomistas, ao contrário – como sublinhou Guillaume numa das últimas intervenções no Congresso de Haia –, eram defensores de “uma certa política, de revolução social, da destruição da política burguesa e do Estado”128. Dever-se-ia reconhecer que eles estavam entre os componentes revolucionários da Internacional e que ofereceram uma interessante contribuição crítica a questões relativas ao poder político, o Estado e a burocracia.

Qual foi, portanto, a diferença entre a “política positiva”, considerada indispensável pelos centralistas, e a “política negativa”, concebida pelos autonomistas como única forma possível de ação? Nas resoluções adotadas no Congresso Internacional de Saint-Imier, realizado entre 15 e 16 de setembro, em seguida à proposta da Federação Italiana e na presença de outros delegados que retornavam de Haia, declarou-se que: “toda organização política não pode ser outra coisa senão a organização e dominação para o benefício de uma classe em detrimento das massas, e que se o proletariado escolhesse exercer o poder, ele se converteria a si mesmo numa classe dominante e exploradora”.

Portanto – e foi esta a afirmação que engendrou o conceito de “política negativa” –, “a destruição de todo poder político é a primeira obrigação do proletariado”129. Segundo Bakunin, “toda organização de um poder político, por mais que possa proclamar-se provisória e revolucionária para efetuar essa destruição, não pode ser senão um engano ulterior, e para o proletariado seria tão perigosa quanto todos os governos hoje existentes”. Como Bakunin destacou em outro texto inacabado, a Internacional, cuja missão era a de conduzir o proletariado “para fora da política do Estado e do mundo burguês”, deveria pôr na base de seu programa “a organização da solidariedade internacional para a luta econômica do trabalho contra o capital”130; uma declaração de princípios que, embora levasse em conta as mudanças ocorridas no tempo, era muito próxima das tentativas originárias da organização e diametralmente oposta à direção tomada por Marx e pelo Conselho Geral após a Conferência de Londres de 1871 131.

Em Haia, os autonomistas optaram por aquilo que definiram como uma “política negativa”, ou seja, a destruição do poder político; em contrapartida, a maioria dos delegados defendeu sua forma oposta, “positiva”, que apontava para a conquista do poder político132. Num clima de profunda divergência sobre princípios e objetivos, o partido político foi considerado como um instrumento necessariamente subalterno às instituições burguesas, e o comunismo de Marx foi grotescamente comparado ao Volksstaat (Estado popular) lassalliano, que o revolucionário de Trier havia incansavelmente combatido133. No entanto, nos poucos momentos em que o antagonismo deixou espaço para a razão, Bakunin e Guillaume reconheceram que os dois lados compartilhavam das mesmas aspirações134. Em The Fictitious Splits in the International [Cisões fictícias na Internacional], que redigiu juntamente com Engels entre o fim de janeiro e o início de março de 1872, Marx esclarecia que uma das precondições da sociedade socialista era a supressão do poder do Estado:

Todos os socialistas veem a anarquia como o seguinte programa: uma vez atingido o objetivo do movimento proletário – isto é, a abolição das classes –, desaparece o poder do Estado, que serve para manter a grande maioria dos produtores submetidos a uma pequena minoria de exploradores, e as funções do governo se tornam simples funções administrativas.135

A diferença irreconciliável consistia no fato de que os autonomistas colocavam o problema como uma questão de realização imediata. Porque consideravam a Internacional não como um instrumento político para a luta política, mas como o modelo ideal da sociedade do futuro, na qual não deveria existir nenhum tipo de autoridade, eles proclamavam:

a anarquia nas fileiras proletárias como o meio mais infalível de quebrar a poderosa concentração das forças sociais e políticas nas mãos dos exploradores. Sob esse pretexto, ela pede à Internacional, num momento em que o Velho Mundo busca uma maneira de esmagá-la, a substituição de sua organização pela anarquia.136

Assim, apesar de sua convergência quanto à necessidade de abolir as classes e o poder político do Estado na sociedade socialista, os dois lados divergiam radicalmente sobre as questões cruciais do caminho a tomar e das forças sociais requeridas para efetuar a transformação. Sobre esses temas fundamentais, Marx e Bakunin tinham concepções radicalmente distintas. Enquanto para Marx o sujeito revolucionário por excelência era uma classe particular, o proletariado fabril, Bakunin voltava-se à massa em geral, à “grande ralé popular” (o Lumpenproletariat), que, sendo “quase impoluta pela civilização burguesa, carrega em seu interior e em suas aspirações, em todas as necessidades e misérias de sua vida coletiva, todas as sementes do socialismo do futuro”137. Se o comunista aprendera que a transformação social precisava ser acompanhada de determinadas condições históricas, de uma organização eficiente e de um longo processo para chegar à formação da consciência de classe entre as massas138, o anarquista estava convencido de que a “grande ralé popular” era dotada de “um instinto, tão invencível quanto justo”, por si só suficiente “para inaugurar e fazer triunfar a revolução social”139.

O dissenso entre Bakunin e Marx se manifestou também na identificação dos instrumentos mais adequados para a realização do socialismo. O primeiro passou uma parte significativa da sua atividade militante criando (ou imaginando criar) sociedades secretas, ou organizações compostas por um grupo restrito de pessoas, sobretudo intelectuais: um “Estado-maior revolucionário, composto de indivíduos dedicados, enérgicos, inteligentes e, acima de tudo, amigos sinceros do povo”140, que prepararão a insurreição e farão a revolução. O segundo, ao contrário, defendeu a autoemancipação da classe operária, estando convencido de que as sociedades secretas “contrastam com o desenvolvimento do movimento operário”, porquanto, “em vez de educar os operários, submetem-nos a leis autoritárias e místicas, que obstaculizam sua autonomia e conduzem sua consciência numa direção equivocada”141. O exilado russo opôs-se a toda ação política da classe operária que não visasse diretamente à revolução, inclusive a mobilização por reformas sociais e a participação em eleições, enquanto o cosmopolita com residência em Londres não desprezava a luta por reformas e objetivos parciais, embora com a absoluta convicção de que estes deveriam servir para reforçar a classe operária na luta para derrubar o modo de produção capitalista, e não para integrá-la no sistema.

A diferença não teria diminuído nem depois de realizada a revolução. Para Bakunin, “a abolição do Estado [era] a precondição ou o acompanhamento necessário da emancipação econômica do proletariado”142; para Marx, o Estado não podia nem devia desaparecer de um dia para o outro. No artigo “A indiferença em matéria política”, publicado em dezembro de 1873 no jornal italiano Almanacco Repubblicano para contrastar a hegemonia dos anarquistas no movimento operário daquele país, ele afirmara polemicamente:

se a luta política da classe operária assume formas violentas, se os operários substituem sua ditadura revolucionária à ditadura da classe burguesa, então [de acordo com Bakunin] eles cometem o terrível delito de lèse-principe [leso-princípio]; pois, para satisfazer suas miseráveis necessidades cotidianas, para quebrar a resistência da classe burguesa, em vez de abaixar as armas e abolir o Estado, eles lhe dão uma forma revolucionária e transitória.143

É preciso reconhecer, no entanto, que Bakunin, apesar de sua recusa em distinguir entre o poder burguês e o proletário, soube prever os perigos da assim chamada “fase de transição” do capitalismo para o socialismo e a degeneração burocrática pós-revolucionária. Em O Império knut-germânico e a revolução social, um escrito incompleto, redigido entre 1870 e 1871, ele afirmou:

Mas no Estado Popular de Marx, como nos é dito, não haverá nenhuma classe privilegiada. Todos serão iguais, não apenas do ponto de vista jurídico e político, mas também econômico. […] Não haverá mais, portanto, nenhuma classe privilegiada, mas haverá um governo e, notem bem, um governo extremamente complexo, que não se contentará com governar e administrar as massas politicamente, como o fazem todos os governos atualmente, mas que também as administrará economicamente, concentrando nas suas mãos a produção e a justa repartição das riquezas, o cultivo da terra, o estabelecimento e desenvolvimento das fábricas, a organização e a direção do comércio e, por fim, a aplicação do capital à produção da parte de um único banqueiro: o Estado. […] Será o reino da inteligência científica, o mais aristocrático, o mais despótico, o mais arrogante e o mais odiado de todos os regimes. Haverá uma nova classe, uma nova hierarquia de cientistas e eruditos reais e fictícios, e o mundo será dividido numa minoria governando em nome do saber e uma imensa maioria ignorante. […] Todo Estado, mesmo o mais republicano e mais democrático […], é, em sua essência, uma mera máquina a governar as massas de cima, mediante uma minoria inteligente e, portanto, privilegiada, supostamente conhecedora dos interesses genuínos do povo mais do que o próprio povo.144

Em parte devido a seu escasso conhecimento de economia, a via federalista indicada por Bakunin não ofereceu nenhuma indicação rigorosamente útil sobre a realização do socialismo. À sua crítica, no entanto, deve-se reconhecer o mérito de ter previsto alguns dos dramas que caracterizariam o século XX.

XII. Depois de Marx: a Internacional “centralista” e a Internacional “autonomista”
Em 1872, a Internacional nascida em 1864 deixou de existir. A grande organização, que por oito anos sustentara com sucesso inúmeras greves e lutas, adotara um programa teórico anticapitalista e ramificara-se em todos os países europeus, implodiu após o Congresso de Haia. Apesar disso, sua história não acabou com o abandono de Marx. Ela foi substituída por dois reagrupamentos de forças, muito mais reduzidos e privados de sua capacidade e ambição políticas. O primeiro foi composto pelos “centralistas”, ou seja, pela parte que resultara majoritária no último congresso e favorável a uma organização dirigida politicamente por um Conselho Geral. O segundo foi formado pelos “autonomistas” – ou também “federalistas”145 –, isto é, a minoria que reconhecia às seções a absoluta autonomia de decisão.

Durante o ano de 1872, a força da Internacional não havia diminuído. Confirmando o desenvolvimento desigual que caracterizara sua existência, sua expansão em alguns países (sobretudo na Espanha e na Itália) havia compensado a retração em outros (como, por exemplo, na Inglaterra). O dramático resultado em Haia havia implodido a organização, fazendo com que muitos militantes, especialmente no campo “centralista”, percebessem que ali se encerrara um importante capítulo na história do movimento operário. , Pouquíssimas forças na Europa se alinharam com a Federação Americana em apoio ao novo Conselho Geral, sediado em Nova York: a Federação Romanda e algumas seções de língua alemã na Suíça, ambas sustentadas pela incessante iniciativa de Becker; o apoio – incondicional, mas de pouco peso – do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores da Alemanha; as recém-criadas seções austríacas, que, diferentemente dos alemães, foram capazes de enviar ao Conselho Geral um pouco de dinheiro recolhido entre seus membros; e as longínquas federações de Portugal e Dinamarca.

Na Espanha, Itália e Holanda, no entanto, poucos seguiram as diretrizes de Marx; na Irlanda, a organização não se firmara, e na França, em 1873, não existia nenhuma seção da Internacional. Restava, naturalmente, a Inglaterra, mas em novembro de 1872, em razão de conflitos pessoais iniciados muito antes do Congresso de Haia, o Conselho Federal Inglês se dividiu em dois grupos, hostis entre si, que reivindicavam representar a Internacional na Grã-Bretanha. O líder dos opositores foi Hales, que, em nome de dezesseis seções, e com a adesão de importantes dirigentes da Internacional, como Hermann Jung (1830-1901) e Thomas Mottershead (1825-1884), esconjurou o Conselho Geral de Nova York e convocou um novo congresso da federação inglesa para janeiro de 1873. Hales e Eccarius protagonizaram algumas surpreendentes acrobacias políticas, pois, embora fossem reformistas por convicção e defendessem a participação em eleições – sua ideia era converter a Internacional num partido político, com apoio de sindicatos e aliado à ala liberal da burguesia –, alinharam-se oficialmente com os abstencionistas liderados por Guillaume e Bakunin. Engels respondeu com duas circulares – subscritas por importantes dirigentes de Manchester e do Conselho Federal Inglês, além dos conhecidos Dupont e Friedrich Lessner (1825-1910) –, nas quais foram reconhecidas as decisões tomadas em Haia. O congresso “oficial” do Conselho Federal Inglês realizou-se em junho, mas os participantes tiveram de constatar uma dura verdade: com a transferência do Conselho Geral para Nova York, percebido por todos – também pela imprensa – como o fim da organização, os sindicatos ingleses não se sentiram mais como parte integrante daquilo que havia restado da Internacional146. Assim, os dois grupos tinham em comum uma única coisa: o rápido declínio.

O congresso geral dos centralistas foi realizado na mesma cidade que havia sediado o primeiro encontro da Internacional: Genebra. Graças ao incansável Becker, dele participaram trinta delegados, entre os quais, pela primeira vez, duas mulheres. Porém, quinze desses delegados eram de Genebra, e a participação de representantes de seções de outros países reduziu-se a um alemão, um belga e um austríaco. Tendo percebido o clima de desmobilização na Europa, o Conselho Geral decidiu não enviar nenhum representante de Nova York, e até mesmo Serrailler, designado pela federação inglesa, renunciou à viagem. De fato, foi o fim da Internacional centralista.

Do outro lado do oceano, não obstante os esforços efetuados por Sorge para manter viva a chama da Internacional, a Federação Americana estava a um passo do colapso. Sua situação financeira, agravada pelo declínio de seus filiados a menos de mil (poucos dos quais pagavam contribuições), tornava difícil até mesmo a compra de selos. Também a qualidade de seus documentos oficiais, contendo frequentes erros de ortografia, era miserável, pois faltavam dirigentes capazes de escrever adequadamente em inglês e francês. Reduzida a ocupar-se exclusivamente de questões relativas aos Estados Unidos, ela não conseguiu, no entanto, mobilizar os trabalhadores nativos, que alternaram sentimentos de hostilidade e indiferença em relação à organização, uma realidade que nem mesmo o lançamento do Manifesto ao povo trabalhador da América do Norte conseguiu alterar147. Após uma perda ulterior de filiados, Sorge demitiu-se do cargo de secretário-geral e, daquele momento em diante, por mais dois anos e meio, a vida da organização reduziu-se à crônica de uma morte anunciada. Sua dissolução final se deu em 15 de julho de 1876, quando 10 delegados, representando 635 membros148, reuniram-se na Filadélfia, antes de dirigirem-se ao congresso do Partido Operário dos Estados Unidos, programado pra coincidir com a Centennial Exhibition, primeira exposição internacional realizada nos Estados Unidos.

Se a organização “centralista” operou em apenas alguns poucos países, por um breve tempo, e não deu nenhuma contribuição significativa ao desenvolvimento da teoria, os autonomistas, ao contrário, continuaram a ser, por alguns anos, uma realidade concreta e decisivamente mais ativa. No congresso de Saint-Imier, no qual tomaram parte não apenas os suíços, mas também os italianos, espanhóis e franceses, foi estabelecido que “ninguém tem o direito de privar as federações e seções autônomas do incontestável direito de determinar a si mesmas e seguir a linha de conduta política que elas creem ser a melhor”149. Essa declaração reuniu numa ampla frente todos os opositores de Marx, que propuseram um “pacto de amizade, solidariedade e defesa mútua” entre todas as federações que defendiam a autonomia federalista no seio da Internacional. A tomada de posição foi obra de Guillaume.

Diferentemente de Bakunin, que teria preferido um documento mais intransigente, o jovem – porém mais prudente – militante suíço fixara como meta estender o consenso para além do Jura, da Espanha e da Itália, conquistando todas as outras federações que se opunham à linha de Londres150. Sua tática foi bem-sucedida. O nascimento de uma nova Internacional fora cuidadosamente preparado, mas sem forçar a nota com declarações altissonantes.

Nos meses sucessivos, a organização recebeu numerosas adesões. O baluarte dos autonomistas continuou a ser a Espanha. As perseguições à Internacional promovidas por Práxedes Mateo Sagasta (1825-1903) não impediram seu desenvolvimento. O congresso federal, realizado em Córdoba entre dezembro de 1872 e janeiro de 1873, mostrou uma organização em plena expansão. Estava formada por mais cinquenta federações, compostas de mais de trezentas seções, que reuniam um total de mais de 25 mil membros (7.500 dos quais em Barcelona)151. A partir do fim de 1872, os autonomistas expandiram seu apoio em novos países. Em dezembro, a federação belga, reunida em Bruxelas, depois de haver declarado nulas as resoluções adotadas em Haia, recusou-se a reconhecer o Conselho Geral de Nova York e subscreveu o pacto de Saint-Imier152. Em janeiro de 1873, aderiram à organização os rebeldes ingleses, liderados por Hales e Eccarius, seguidos, no mês seguinte, da federação holandesa153.

Embora os autonomistas – que também haviam conservado contatos na França, na Áustria e nos Estados Unidos – formassem a maioria de uma Internacional renovada, a coalizão a que deram vida foi um confuso conglomerado das mais diversas doutrinas. Nessa aliança espúria tomavam parte: os coletivistas anárquicos suíços, encabeçados por Guillaume e Schwitzguébel (Bakunin retirou-se à vida privada a partir de 1873 e morreu em 1876); a Federação Belga, guiada por De Paepe, que passou a defender um tipo de socialismo no qual o Estado popular (Volksstaat) deveria ter maiores poderes e competências, a começar pela gestão de todos os serviços públicos; os italianos, que radicalizaram cada vez mais as próprias posições, chegando a defender teses insurrecionais (“a propaganda mediante fatos”) destinadas ao fracasso; e os ingleses, favoráveis não só à participação nas eleições, mas também à aliança com as forças burguesas mais progressistas. Em 1874, foram estabelecidos contatos até mesmo com os lassallianos da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães.

O cenário até aqui descrito atesta que a causa primária da ruptura consumada em Haia não estava na antinomia entre um componente inclinado a avançar gradualmente no interior do Estado e uma outra posição intransigente e mais revolucionária, tampouco entre defensores e opositores da ação política. O fator determinante de uma oposição tão ampla e radical ao Conselho Geral foi, em vez disso, a reviravolta demasiadamente brusca ocorrida durante Conferência de Londres de 1871. As federações do Jura, a espanhola e também a italiana jamais aceitariam a solicitação de Marx de construir partidos políticos da classe trabalhadora, e as razões disso estavam nas condições socioeconômicas desses países. Uma tática política mais prudente teria permitido conservar o apoio da Bélgica – desde muitos anos, fundamental nos equilíbrios internos da Associação – e de outras jovens federações, como a holandesa. Além disso, relações internas menos conflituosas teriam evitado a cisão na Inglaterra, ocorrida mais por razões pessoais do que por dissensos significativos em relação à linha política. A transferência do Conselho Geral para Nova York, como haviam previsto alguns autonomistas, deixou aberto a estes últimos um grande espaço político e contribuiu para sua afirmação a partir de 1872. Segundo Marx, porém, a “primeira” Internacional havia cumprido sua missão histórica e era chegada a hora de baixar a cortina.

Os autonomistas realizaram seu “primeiro” congresso – por eles definido como o sexto, pois se consideravam os legítimos continuadores da organização – em Genebra. Os 32 delegados (provenientes da Bélgica, da Espanha, da França, da Itália, da Inglaterra, da Holanda e da Suíça) se reuniram na cidade suíça de 1o a 6 de setembro de 1873, uma semana antes do congresso dos centralistas, e declararam que sua reunião abria “uma nova era na Internacional”154. Aboliram, em votação unânime, o Conselho Geral e, pela primeira vez numa reunião da Internacional, houve um debate sobre a sociedade anarquista155. Além disso, o arsenal teórico-político dos internacionalistas foi enriquecido por uma nova ideia: a da greve geral como arma para realizar a revolução social. Assim foram esboçados os lineamentos da concepção anarcossindicalista156.

O congresso seguinte foi realizado em Bruxelas, de 7 a 13 de setembro de 1874. Dele participaram dezesseis delegados, entre os quais um proveniente da Inglaterra (Eccarius), um da Espanha e o restante da Bélgica. Entre esses catorze delegados belgas, dois possuíam o mandato de uma seção francesa (Paris) e de uma italiana (Palermo), enquanto dois outros eram alemães, à época residentes na Bélgica. Estes últimos eram lassallianos, e um deles, Karl Frohme (1850-1933), representava a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães. No entanto, embora anarquistas e lassallianos fossem polos opostos no mapa do socialismo, Guillaume motivou sua presença referindo-se às novas regras aprovadas pelo Congresso de Genebra de 1873, segundo as quais os trabalhadores de cada país podiam escolher livremente o modo que julgavam o mais justo para obter sua própria emancipação157. Essa Internacional, porém, tornara-se, em grande medida, um lugar de debate abstrato, onde um número cada vez menor de dirigentes operários – e pouco representativos – discutiam cada vez menos sobre as condições materiais dos trabalhadores e as ações necessárias para modificá-las. O debate de 1874 concentrou-se na escolha entre anarquia e Estado popular, e seu principal protagonista foi De Paepe, que depois de três anos retomara seu posto na Internacional. Numa de suas intervenções, afirmou que “na Espanha, numa parte da Itália e no Jura havia partidários da anarquia; enquanto na Alemanha, na Holanda, na Inglaterra e na América havia partidários do Estado operário (a Bélgica flutuava ainda entre as duas tendências)”158. Tampouco nesse caso foi tomada qualquer decisão coletiva, e no fim do congresso sancionou-se por unanimidade que cabia “a cada federação e partido democrático socialista de cada país determinar a linha de conduta política que pensava ser a mais adequada”159.

No curso do oitavo congresso, realizado em Berna de 26 a 30 de outubro de 1876, a discussão prosseguiu na mesma linha da reunião precedente. Dela participaram 28 delegados, dos quais 19 suíços (17 da Federação do Jura), 4 da federação italiana, 2 da espanhola e 2 da francesa, além de De Paepe, como representante da Bélgica e da Holanda. O debate demonstrou de modo irrefutável a total irreconciliabilidade entre as posições de De Paepe e Guillaume160. Em todo caso, a reunião concluiu-se acolhendo uma proposta da federação belga, que convocava para o ano seguinte um congresso socialista universal, ao qual seriam chamadas “todas as frações dos partidos socialistas da Europa”161.

Esse evento foi antecipado pelo último congresso da Internacional, realizado em Verviers de 6 a 8 de setembro de 1877. Dele participaram 22 delegados: 13 da Bélgica, 2 da Espanha, 2 da Itália, 2 da França e 2 da Alemanha, além de Guillaume, representante da Federação do Jura, aos quais se juntaram três enviados de grupos socialistas, presentes à reunião com função meramente consultiva. Um deles era o russo Piotr Kropotkin (1842-1921), futuro pai do anarco-comunismo. Desse encontro participaram, porém, apenas militantes de tendência anarquistas, e, entre eles, alguns – como o italiano Andrea Costa (1851-1910) – que pouco tempo depois passariam ao socialismo. Assim, também a Internacional autonomista, que apenas na Espanha tivera um enraizamento nas massas, havia exaurido seu ciclo. Ela acabou superada pela tomada de consciência, difundida em quase todo o movimento operário europeu, da absoluta importância de se tomar parte na luta política por meio de organizações políticas. O fim da experiência autonomista significou também o ocaso das relações entre anarquistas e socialistas, que, a partir daquele momento, viram seus caminhos definitivamente separados.

XIII. A nova Internacional
De 9 a 16 de setembro de 1877, a cidade de Gent, na Béligica, sediou o Congresso Socialista Universal, maior encontro já realizado entre as organizações do movimento operário. Dele participaram, acolhidos por 3 mil trabalhadores, delegados de nove países (França, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Espanha, Itália, Hungria, Rússia e, naturalmente, Bélgica) e também representantes da Dinamarca, dos Estados Unidos e, pela primeira vez, de agrupamentos operários da Grécia e do Egito. Os promotores do congresso foram líderes históricos da Internacional, como De Paepe e Liebknecht (Frankel, Guillaume, Hales e outros também estavam presentes), testemunhas da importância que a organização tivera na formação, em toda a Europa, de uma geração de dirigentes do movimento dos trabalhadores.

No documento conclusivo do congresso, o Manifesto às organizações operárias e sociedades de todos os países, redigido por De Paepe e pelo jovem Louis Bertrand (1856-1943), que se tornaria em seguida um dos principais socialistas belgas, afirmou-se a exigência de instituir “uma União Geral do Partido Socialista”. A grande maioria dos presentes subscreveu um pacto, no qual se declarava:

considerando que a emancipação social é inseparável da emancipação política; considerando que o proletariado, organizado como partido distinto e oposto a todos os partidos formados pelas classes proprietárias, deve utilizar todos os meios políticos voltados à emancipação social de todos os seus membros; considerando que a luta contra todo domínio de classe não é nem local nem nacional, mas universal, e que o processo depende do acordo e da cooperação das organizações dos diversos países; os subscritos, delegados no Congresso Socialista Universal de Gent, decidiram que as organizações por eles representadas devem ajudar umas às outras, moral e materialmente, em todas as reivindicações econômicas e políticas.

Seis anos depois da Conferência de Londres de 1871, as teses aprovadas em Gent confirmaram as previsões de Marx. No mesmo documento, afirmava-se:

Preconizamos a necessidade da ação política como um poderoso meio de agitação, propaganda, educação popular e associação. A presente organização da sociedade deve ser combatida simultaneamente por todos os lados e com todos os meios à nossa disposição. […] O socialismo não deve ser apenas especulação teórica sobre a organização provável da sociedade futura; ele deve ser real e vivo, envolvido nas aspirações efetivas, necessidades imediatas e lutas diárias da classe proletária contra aqueles que controlam o capital social, assim como o poder social.

Para arrancar um direito político da burguesia, para organizar numa associação trabalhadores até então isolados, para obter uma redução nas horas de trabalho por meio de greves ou sociedades de resistência: tudo isso significa tanto trabalhar para a edificação de uma sociedade nova quanto investigar as possibilidades de configurações sociais do futuro.

Que os trabalhadores até então desorganizados se organizem e formem associações! Que aqueles que estão organizados apenas no plano da economia desçam até a arena política; lá eles encontrarão os mesmos adversários e a mesma batalha, e toda vitória obtida num desses níveis sinalizará o triunfo no outro!

Que a classe despossuída em cada nação se constitua num grande partido distinto de todos os partidos burgueses, e que esse partido social marche de mãos dadas com aqueles dos outros países!
Para reivindicar todos os seus direitos, para abolir todos os privilégios, trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!162

Nas décadas sucessivas, o movimento operário adotou um programa socialista, expandiu-se primeiro em toda a Europa, e depois em cada ângulo do mundo, e construiu novas estruturas de coordenação supranacionais. Cada uma destas, além de repetir seu nome (a exemplo da Segunda Internacional, de 1889-1916, ou da Terceira Internacional, de 1919-1943), referiu-se constantemente aos valores e ao ensinamento da “primeira” Internacional. Desse modo, sua mensagem revolucionária se revelou de extrema fecundidade, produzindo, com o passar do tempo, resultados ainda maiores que aqueles obtidos no curso de sua própria existência.

A Internacional imprimiu na consciência dos proletários a convicção de que a emancipação do trabalho do jugo do capital não podia ser obtida no interior dos limites de um único país; ao contrário, era uma questão global. Do mesmo modo, graças à Internacional os operários compreenderam que sua emancipação só podia ser conquistada por eles mesmos, por sua capacidade de organizar-se, não podendo ser transferida a outrem. Por fim, a Internacional – e nesse ponto a contribuição teórica de Marx foi fundamental – difundiu entre os trabalhadores a consciência de que sua escravidão só teria fim com a superação do modo de produção capitalista e do trabalho assalariado, uma vez que as melhorias internas do sistema vigente, ainda que importantes, não modificariam por si só sua dependência econômica das oligarquias patronais.

Existe um verdadeiro abismo a separar as esperanças daquele tempo e a desesperança do presente, a determinação antissistêmica daquelas lutas e a servidão ideológica contemporânea, a solidariedade construída por aquele movimento operário e o individualismo de nossos dias, produto da competição do mercado e das privatizações, a paixão pela política dos trabalhadores que se reuniram em Londres em 1864 e a resignação e apatia hoje imperantes.

No entanto, numa época em que o mundo do trabalho voltou a sofrer condições de exploração semelhantes àquelas do século XIX, o projeto da Internacional retorna com extraordinária atualidade. Sob cada injustiça social, em todo lugar em que trabalhadoras e trabalhadores se veem privados de seus direitos, germina a semente da nova Internacional.

A barbárie da “ordem mundial” vigente, os desastres ecológicos produzidos pelo presente modo de produção, o inaceitável abismo que separa as riquezas de uma minoria de exploradores e o estado de indigência de extratos cada vez mais vastos da população mundial, a opressão de gênero, os novos ventos da guerra, do racismo e do chauvinismo, impõem ao movimento operário contemporâneo reorganizar-se, com urgência, a partir de duas características da Internacional: a radicalidade dos objetivos a perseguir e a forma poliédrica de sua estrutura. Os objetivos da organização nascida em Londres há 150 anos são hoje mais atuais e indispensáveis que nunca. Mas, para estar à altura do presente, a nova Internacional não poderá prescindir de dois requisitos fundamentais: deverá ser plural e anticapitalista.

Apêndice

Cronologia e membros da Associação Internacional dos Trabalhadores

Na primeira parte deste Apêndice são elencados, em ordem cronológica, todas as conferências e congressos da Internacional, divididos em dois blocos: as reuniões realizadas entre 1864 e 1872, ou seja, desde sua fundação até a ruptura consumada no Congresso de Haia, e aquelas realizadas separadamente por “autonomistas” e “centralistas”, a partir de 1873.
A segunda parte é constituída de uma tabela contendo alguns dados relativos aos membros da Internacional em diversos países. As informações sobre a consistência real da Associação são muito incertas, pelas seguintes razões: 1) apenas uma parte mínima das organizações – como os sindicatos ingleses e os partidos alemães – possuia um registro exato dos próprios escritos; 2) o fato de a maior parte dos trabalhadores ter ingressado na organização não por meio de inscrições individuais mas sobretudo mediante adesões de associações coletivas (como, por exemplo, as sociedades de resistência) torna quase impossível uma contagem precisa de seus membros; 3) em diversos países, a Internacional foi ilegal por alguns anos, e a clandestinidade de seus membros não permite avaliar acuradamente seu número.

É talvez por essa razão que – com exceção do volume coletivo La Première Internationale: l’institute, l’implantation, le rayonnement163 – a tentativa de calcular o número completo dos membros da Internacional não tenha sido realizada em nenhum dos muitos livros a ela dedicados. Se me pareceu útil tentar realizar tal cálculo aqui, apesar do risco de alguma imprecisão, é sobretudo porque a maior parte das publicações apresentaram números excessivos, criando assim uma imagem distorcida da realidade.
A primeira coluna da tabela lista, em ordem cronológica de fundação, os países em que a Internacional foi estabelecida; ela não inclui, por exemplo, a Austrália, a Nova Zelândia ou a Índia, onde ocorreram apenas contatos esporádicos com pequenos grupos de trabalhadores. Tampouco cobre a Rússia, uma vez que a Internacional jamais conseguiu penetrar naquele país (embora alguns exilados tenham fundado um círculo na Suíça). A segunda coluna apresenta os anos em que a organização atingiu seu pico nos respectivos países, e a terceira oferece uma cifra aproximada para o número de seus membros. Esses totais foram calculados com base nos estudos contidos em La Première Internationale: l’institute, l’implantation, le rayonnement e outras monografias listadas na Bibliografia no fim deste volume.

Cronologia
Conferências e congressos (1864-1872)
Conferência de Londres: 25-29 de setembro de 1865
I Congresso: Genebra, 3-8 de setembro de 1866
II Congresso: Lausanne, 2-8 de setembro de 1867
III Congresso: Bruxelas, 6-13 de setembro de 1868
IV Congresso: Basileia, 6-12 de setembro de 1869
Conferência dos delegados de Londres: 17-23 de setembro de 1871 V Congresso: Haia, 2-7 de setembro de 1872

A Internacional “autonomista”
VI Congresso: Genebra, 1o-6 de setembro de 1873 VII Congresso: Bruxelas, 7-13 de setembro de 1874 VIII Congresso: Berna, 26-30 de outubro de 1876 IX Congresso: Verviers, 6-8 de setembro de 1877

A Internacional “centralista”
VI Congresso: Genebra, 7-13 de setembro de 1873 Conferência dos delegados da Filadélfia: 15 de julho de 1876

Número de membros

País Ano de pico Número de membros
Inglaterra 1867 50 mil
Suíça 1870 6 mil
França 1871 Mais de 30 mil
Bélgica 1871 Mais de 30 mil
Estados Unidos 1872 4 mil
Alemanha 1870 Mais de 10 mil (inclusive membros do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores da Alemanha)
Espanha 1873 Cerca de 30 mil
Itália 1873 Cerca de 25 mil
Holanda 1872 Menos de mil
Dinamarca 1872 Menos de 2 mil
Portugal 1872 Menos de mil
Irlanda 1872 Menos de mil
Império Áustro-Húngaro 1872 Menos de 2 mil

Published in:

Marcello Musto (Ed.), Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional

Publisher:

Boitempo

Pub Info:

2014, pp. 19-88

Available in: