O sexto maior país da União Europeia em número de habitantes fez uma guinada à direita. Depois de ter se afirmado nas presidenciais de maio, o partido populista Lei e Justiça venceu as eleições polonesas, obtendo não apenas 39% dos votos, mas a maioria absoluta no Parlamento.
Diferentemente dos recorrentes apelos ao nacionalismo e à palavra de ordem “primeiro aos poloneses”, as reivindicações do Lei e Justiça no campo da economia se concentraram na promessa de aumentar os gastos sociais, melhorar os salários e reduzir a idade para a aposentadoria. Um programa de esquerda, em um país onde a esquerda defendeu o neoliberalismo e ocupa, atualmente, uma posição absolutamente marginal – situação que se repete em outros lugares do continente.
Nos últimos vinte anos, o poder de decisão na Europa transitou em grande parte da esfera política àquela econômica. A economia se tornou um âmbito separado e intocável, que faz escolhas decisivas, porém fora do alcance do controle democrático. A uniformidade na essência das decisões tomadas pelos governos de muitas nações e, em geral, a crescente hostilidade de grande parte da opinião pública em relação à tecnocracia de Bruxelas contribuíram para provocar uma grande mudança no cenário europeu.
O vento populista
Os bipartidarismos instituídos, como aqueles espanhol e grego, implodiram. O mesmo rumo parece tomar a bipolaridade dos casos italiano e francês, da qual havia derivado uma nítida divisão de votos entre posicionamentos de centro-direita e de centro-esquerda.
O panorama político europeu foi modificado – sem considerar a alternativa ao neoliberalismo proposta por Syriza e Podemos, que merece uma reflexão à parte – pelo acentuado crescimento dos índices de abstenção, o surgimento de partidos populistas e o notável avanço das forças de extrema direita. O primeiro fenômeno se manifestou no momento das eleições legislativas de quase todos os Estados europeus.
O segundo, por sua vez, nasceu com a onda anti-europeísta. Nos últimos anos, surgiram novos movimentos políticos declarados “pós-ideológicos”, que se guiaram pela denúncia genérica contra a corrupção do sistema ou o euroceticismo. Em 2006, com base nesses princípios, o Partido Pirata foi fundado na Suécia e na Alemanha; em 2009, o Movimento 5 Estrelas se tornou a primeira força política na Itália, com 25,5% dos votos. Em 2013, nasceu em Berlim o Alternativa para a Alemanha. Em 2014, foi a vez do O Rio (TP) na Grécia e do crescimento em escala nacional do Ciudadanos (C’s), movimento fundado na Catalunha em 2006.
No mesmo período, organizações partidárias já há tempos existentes se afirmaram com propostas políticas parecidas. O caso mais ilustrativo é o doPartido pela Independência do Reino Unido (UKIP), que com 26,6% dos votos se tornou a primeira força nas últimas eleições europeias, acima do Manica.
A “nova” face da direita
O terceiro fenômeno aparece quando os efeitos da crise econômica começaram a ser sentidos de forma mais intensa, momento em que os partidos xenófobos, nacionalistas e neofascistas viram crescer enormemente seus votos.
Em alguns casos, mudaram seu discurso político, substituindo a clássica divisão entre a direita e a esquerda pelo conflito “entre os de cima e os de baixo”. Nessa nova polarização, esses partidos se candidataram como representantes da última parcela, o povo, contra o establishment, ou seja, as forças que se alternaram no governo favorecendo o superpoder do mercado.
O aparato ideológico desses movimentos políticos mudou. O componente racista foi, em muitos casos, colocado em segundo plano em relação às temáticas econômicas. A oposição às políticas imigratórias – já cegas e restritivas – aplicadas na União Europeia se reforçou, recorrendo antes à guerra entre os pobres que à discriminação baseada na cor da pele ou na fé religiosa. Em um contexto de desemprego de massa e de grave conflito social, a xenofobia inflou por meio da propaganda que apresentava os imigrantes como os principais responsáveis pelos problemas relativos ao emprego e aos serviços sociais.
Essa mudança de rota certamente influenciou no resultado da Frente Nacional na França, que alcançou 25,2% dos votos nas eleições municipais de 2015. Na Europa, o partido de Marine Le Pen fez alianças com outras forças políticas consolidadas que pedem, há tempos, a saída do euro, a revisão dos tratados sobre imigração e a retomada da soberania nacional. Entre elas, as mais representativas são a Liga Norte na Itália, cujos resultados eleitorais melhoraram, a ponto de ela se tornar a primeira força de centro-direita nas eleições municipais de 2015; o Partido da Liberdade austríaco, que conseguiu 20,5% dos votos nas eleições nacionais de 2013 e mais de 30% nas eleições municipais de Viena em 2015; e o Partido para Liberdade holandês, que obteve 13,3% nas eleições europeias.
Pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, as forças de extrema direita alcançaram resultados expressivos em outras regiões da Europa. Na Suíça, as eleições recentes, de outubro de 2015, foram decididas com 29,4% dos votos para o Partido do Povo Suíço, organização da ultradireita xenófoba e promotora do referendo, aprovado em 2009, para proibir a construção de novas torres de mesquitas.
Também na Escandinávia, a extrema direita representa uma realidade bem consolidada. Na pátria por excelência do “modelo nórdico”, o Democratas Suecos, fundado em 1988 pela fusão de diversos grupos neonazistas, foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas de 2014, com 12,8% dos votos.
Na Dinamarca e na Finlândia, dois partidos criados em 1995 alcançaram resultados ainda mais surpreendentes, transformando-se na segunda força política desses países. O Partido Popular Dinamarquês foi o movimento político mais votado nas últimas eleições europeias, com 26,6%. Esse sucesso foi confirmado nas eleições legislativas de 2015, que na sequência lhe proporcionaram a maioria no governo. Depois das eleições de 2015, às cadeiras do governo de Helsinki ascenderam também os Verdadeiros Finlandeses, com 17,6% dos votos.
Por fim, na Noruega, com 16,3% dos votos, o Partido do Progresso chegou pela primeira vez ao governo com posicionamentos políticos igualmente reacionários. A destacada e quase uniforme afirmação desses partidos numa região onde as organizações do movimento operário exercitaram uma indiscutível hegemonia por longos anos foi possível também porque os partidos de extrema direita se apropriaram de batalhas e temáticas que no passado eram caras à esquerda, tanto a socialdemocrata, quanto a comunista.
A ascensão da direita adveio não somente fazendo apelo às clássicas campanhas reacionárias, mas também àquelas contra a globalização, a chegada de novos refugiados ou solicitantes de refúgio e o espectro da “islamização” da sociedade. Na base de seu sucesso esteve, sobretudo, a reivindicação de políticas tradicionalmente de esquerda, a favor do Estado Social. Trata-se, entretanto, de um novo tipo de welfare. Não mais universal, inclusivo e solidário, como aquele do passado, mas fundado em um princípio diferente: o acesso a direitos e serviços exclusivamente aos membros da preexistente comunidade nacional.
Ao amplo apoio das zonas rurais e de província, despovoadas e com taxa de desemprego recorde, a extrema direita escandinava reuniu, assim, aquele da classe operária que, em grande parte, cedeu à chantagem da “imigração ou Estado Social”.
Perigo no Leste
Até mesmo em diversos países do Leste europeu, a extrema direita conseguiu se reorganizar depois do fim dos regimes pro-soviéticos. A União Nacional Ataque na Bulgária, o Partido Eslovaco Nacional e o Partido Grande Romênia são algumas das forças políticas que conseguiram bons resultados eleitorais e presença no Parlamento.
Nessa área da Europa, o caso mais alarmante é o da Hungria. Em seguida à introdução de severas medidas de austeridade aplicadas peloPartido Socialista húngaro, em acordo com as intimações da Troika, e à grave crise inflacionária derivada, subiu ao poder o Partido Fidesz. Além das medidas para purificar a magistratura e estabelecer o controle da grande mídia, em 2012, o governo húngaro introduziu uma nova constituição com viés fortemente autoritário.
Para compor essa realidade já ameaçadora, desde 2010, o Movimento por uma Hungria Melhor (Jobbik) se tornou o terceiro partido do país (com 20,5% dos votos nas eleições de 2014). Mas, diferentemente das forças presentes na Europa ocidental e escandinava, Jobbik representa o clássico exemplo – hoje dominante no Leste – de formações de extrema direita que continuam a se valer do ódio contra as minorias (em particular aquela cigana), o antissemitismo e o anticomunismo como principais instrumentos de propaganda e de ação.
Enfim, completam esse panorama as várias organizações neonazistas espalhadas em diversas áreas da Europa. Um exemplo é o Aurora Dourada, que com 9,4% nas eleições europeias de 2014 e 7% nas eleições de setembro de 2015 afirmou-se, em ambos os casos, como a terceira força política da Grécia.
Nesses anos, portanto, os partidos de extrema direita nitidamente ampliaram seu apoio em quase todas as partes da Europa. Muitas vezes, conseguiram hegemonizar o debate político e, em alguns casos, a entrar no governo. A crescente expansão da União Europeia deslocou à direita o centro de gravidade político do continente, como testemunharam as rígidas posições extremistas assumidas pelos governos da Europa oriental durante a recente crise na Grécia e diante da chegada de povos em fuga dos palcos de guerra.
Trata-se de uma epidemia muito preocupante, para a qual é impossível pensar em uma resposta sem combater o vírus que a gerou: o mantra neoliberal hoje ainda tão em voga em Bruxelas.
Tradução de: Patricia Villen
Marcello
Musto